Colheita do Bem

Capítulo XCIII

No ambiente de trabalho



01/08/1951


Meus caros filhos, Deus abençoe a vocês todos, conferindo-lhes muita paz e bom-ânimo no desdobramento da luta.

Regozijamo-nos em companhia de vocês pelo retorno ao santuário doméstico. É sempre uma felicidade a nossa reintegração , dentro do qual desenvolvemos a nossa atividade comum. Nossas energias fluídicas como que se imantam à paisagem que nos assiste a evolução e longe do abençoado terreno em que o nosso esforço se exprime sentimo-nos como que em desajuste ou em desequilíbrio de nós para nós, na intimidade de nós mesmos.

Estimaria, meu caro Rômulo, apagar em definitivo as preocupações que ainda estampam em nossa mente perante o quadro político-administrativo contemporâneo, quadro esse que se encontra sob a chave de singulares enigmas. Entretanto, muito escassamente poderia, de meu campo de ação, adiantar-me no assunto.

Vivemos, coletivamente, em nosso país, atormentadas experiências que põem à prova o nosso bom-ânimo, a nossa confiança e a nossa faculdade de esperar. Não é, todavia, um fenômeno isolado. Todos os setores da realização de cada dia sofrem semelhante crise de orientação. Planos generosos, perspectivas imensas e homens capazes, sob o ponto de vista profissional, não nos faltam. O entendimento, contudo, permanece na zona obscura da negação. As paixões partidárias como que subjugam a competência e a habilitação e, assim, vemos diretrizes, na ordem geral, que se revelam integralmente errôneas.

A crise, meu filho, é, sobretudo, de sinceridade, de trabalho mais alto e de adaptação mais segura aos processos de produzir para o bem de todos. Há uma coleção enorme de companheiros que se aproximam do poder central com todos os engodos possíveis, a fim de se fazerem prevalecer na esfera de suas dominações individuais. E, por isso, atravessamos uma hora que parece pertencer aos mais astuciosos ou, mais declaradamente, menos dignos. A escassez de valores íntimos desabona quase todas as promessas e as vozes mais respeitáveis devem, no momento que passa, ser ouvidas com a reserva possível. Continuemos, porém, agindo, atendendo aos nossos princípios de natureza superior.

Tenho estado com você em quase todos os dias. Juntos, palestramos no comentário sem palavras as posições inquietantes que a atualidade nos desdobra. De um lado, vemos espíritos ambiciosos e juvenis assaltando o patrimônio de veneráveis experiências, enquanto que de outro reparamos os amigos que preferem descer ao repouso ilusório. Alguns querem proventos milagrosos, ao passo que outros optam pela fuga, em que poderão, temporariamente, fugir de si mesmos. Entretanto, meu caro Rômulo, nem uns e nem outros acharão o que precisam para a consolidação da paz a que aspiram. Nem na aflição da conquista material nem na desistência da luta pode a alma encontrar os recursos de que necessita para ser feliz. A paz na Terra resulta do equilíbrio entre os conflitos de que nos cercamos. É indispensável saber extrair o ensinamento que a página de cada dia nos descerra aos olhos e fixar em nós o proveito justo. Quem mais recebe em serviços dessa natureza é justamente aquele que mais fornece nas observações de cada instante.

Você tem razão quando se vê agraciado pela Divina Bondade, podendo aquilatar as fragilidades e os méritos de muitas situações e pessoas do nosso caminho. Você tem aprendido intensamente, graças a Deus! Rendamos louvores ao Alto pelas dádivas com que temos sido aquinhoados. Quando o espírito se sente dono da coragem de marcar as lições da vida em si próprio, grandes jornadas de compreensão aparecem nitidamente triunfantes no miraculoso mundo íntimo desses heróis. Você, com o auxílio divino, está penetrando nessa falange de obreiros que recebe o contentamento de aprender antes de dar e de fazer antes de sugerir. Os nossos anos rápidos no Evangelho, considerando o tempo em que nos achamos novamente unidos, em outros aspectos, desde 1935, me trazem a doce felicidade de recolher no terreno de seu espírito as searas sublimes do entendimento com que você hoje, para a satisfação de nós todos, se alimenta. Não temamos. Prosseguir para adiante é o imperativo. A retaguarda não é nossa linha senão para o reabastecimento das forças exauridas. Instalemos na alma a certeza de que não nos faltará espaço vital para as obras que pretendemos construir com bases sólidas em nós próprios, e avancemos.

Estou contente em lhe observando mais uma vez a convicção de que não se encontra só. Realmente, somos muitos. Muitíssimos. E acima de nós temos conosco aquele celeste Amigo que prometeu permanecer e orientar quantos se reúnem em seu nome. Essas reuniões não se reportam exclusivamente à fé ou às atividades do nosso idealismo. Referem-se também às nossas reuniões em serviço, em esforço comum e em família. Não se sinta preocupado em demasia. Escutemos, vigiemos, oremos e reparemos. Escutar para bem falar. Vigiar para agir com segurança. Orar para não desfalecer. E reparar para que não nos descuidemos dos objetivos a atingir. Confiamos em você, em sua capacidade de superação que, brilhantemente, vai sendo posta à prova. Seja o nosso trabalho o nosso cântico divino.

Estou muito satisfeito pela sua passagem no lar de Botafogo. Tudo encorajado é reconfortante para vocês, para Marcelina e para mim. Aguardemos o curso dos dias. Quem sabe? Quem sabe que a luz os surpreenderá ali, como a fonte inesperada num trato de terra seca e endurecida? Não percamos a esperança. Tudo passa na vida e com muito mais propriedade passa aquilo que não oferece consistência.

Cumprimento ao Roberto pelos êxitos do seu noivado em marcha e aconselho a vocês todos a medicação antigripal de ordem preventiva!

Boa noite para vocês todos. Desejando-lhes a leve pausa de descanso físico por abençoado e indispensável recurso de restauração dentro de cada noite, deixa-lhes todo o coração, com muito carinho e saudade, afeto e reconhecimento o papai muito amigo de todos os dias,