Colheita do Bem

Capítulo LXV

Quinze anos do correio da ternura



08/11/1950


Meus caros filhos, Deus abençoe a vocês, concedendo-lhes muita paz e alegria na sementeira do bem.

É quase incrível a fertilidade com que nos correspondemos entre dois mundos, tal a frequência de minhas cartas singelas em nossos trabalhos habituais. Tenho pensado em solicitar de nossa amiga Ottília uma página especialmente para mim, intitulada “Como prosseguirei?”. Mas em vocês mesmos e em nosso amor de muitos séculos encontro renovados motivos para continuar. De um lado, encorajo-me no carinho que vocês me consagram, sempre dispostos a suportarem o “meu mundo de pensamentos”, e, de outro, conforta-me a certeza de que o nosso culto evangélico, aparentemente tão reduzido, é um templo de portas abertas a muita gente, no instante que passa, com projeções para o futuro. Não faltam, efetivamente, bons amigos às nossas reuniões, que me substituiriam com manifesta vantagem, entretanto, há fatores que concorrem de modo decisivo para que seja eu o indicado à posição de intérprete geral, destacando-se deles a circunstância de estarmos unidos por elos afetivos de pai e filhos num , cheios de serenidade, contentamento e construção espiritual. Este mês de novembro assinala a passagem desses três lustros de felicidade, nos quais, segundo creio, pude conversar com vocês muito mais que em todo o tempo de nossa permuta de corações na experiência carnal.

Dantes o homem obscurecia o amigo espiritual. Falávamos uns aos outros como pessoas que muito se querem reciprocamente, todavia, subordinadas a distância justa, medida, naturalmente, pelo muro das convenções. Nossos argumentos e entendimentos mútuos eram, de alguma sorte, vagos e difusos, porque, em verdade, me faltavam bases sólidas, enquanto no corpo, para contribuir com exatidão e segurança no levantamento das convicções de vocês, dentro da vida. Agora, porém, o meu coração está diluído para a mente de vocês como se fora um corpo volátil a espargir-se no ar. Antigamente, entendíamo-nos uns aos outros. Hoje, respiramo-nos mutuamente. Terei expressado o meu pensamento com a clareza desejável? Espero que sim, de vez que o nosso fenômeno de comunhão presentemente é de ordem individual no imo da mente, em cuja intimidade nos compreendemos com a perfeição possível na Terra.

Oxalá pudessem os demais partilhar-nos a oração e o afeto! Achar-se-iam mais fortes para a batalha e mais resistentes para a subida. Para isso, porém, precisariam caminhar na estrada das ideias, dos ideais e das atitudes…

É o assunto de que cogitávamos há poucos momentos. Estamos em plenitude de luta para assimilar os ensinamentos. Entes muito queridos a nós todos se demoram em estados anteriores ao dia de hoje com uma impertinência digna de lástima. Emprego a palavra “impertinência” porque a persistência deve servir para a designação de postos mais elevados, em nos referindo à romagem das almas. Sabemos agora que muitos deles sintonizam com situações, para nós, há muito extintas, ao passo que nós guardamos a paixão de antecipar-nos à nossa época. Nessa autossuperação, através dos ensinos recapitulados harmoniosamente, vindos do pretérito, estamos acumulando energias para ajudá-los com mais eficiência. Se é verdade que não chegaremos a Jesus com débitos pesados ao coração, é um conforto reconhecer que os nossos amigos mais queridos não se adiantam na estrada conservando as dívidas que lhes densificam o modo de ser.

Cada qual, em verdade, permanece no lugar que prefere e a predileção deles não é das melhores. Subamos a escada dos sentimentos à maneira da vibração que sobe na escala da vida e os nossos horizontes se farão cada vez mais largos. A princípio, vulgarizamos as posições em que os nossos adversários gratuitos solenizam as experiências que lhes são próprias e, em seguida, tratá-lo-emos à categoria de crianças espirituais, papel esse que, efetivamente, representam. Essa grande hora é sempre sublime em nossa marcha. É o instante em que nivelamos quanto se mostra inferior a nós para salientar com mais fervor os píncaros da elevação que já divisamos e que nos cabe alcançar.

Conto em que muito em breve vocês terão alcançado esse tipo de vibração tranquilizadora, que se fundamenta na verdadeira paz de nossas almas à frente dos maiores inimigos. Avancemos para que a vanguarda seja o nosso lugar. E estejam certos de que a melhor maneira de nos desvencilharmos de companheiros menos desejáveis do pretérito é ajudá-los para que se firmem nas tarefas que elegeram por normas à própria felicidade. Se temos um grande cesto de pães no braço, o faminto, por certo, nos seguirá. Mas se dividimos a provisão com ele, deixar-nos-á livres para o avanço na caminhada. A ciência de dar e ajudar é alicerce de toda e qualquer libertação. Aguardemos o futuro e vocês verão muitas novidades em minha companhia.

Relativamente à questão suscitada por Wanda na conversação de minutos antes, compete-me elucidar que há que se considerar no sistema de evolução planetária o impulso individual do ser que se promovia, pelo esforço de adaptação de novos meios, a mais altos domínios da seleção, mas não podemos esquecer que vocês estão numa Esfera de formas, lembrando mesmo a palavra “formas” para designar os diversos corpos em que a essência espiritual se expressa e evolui dentro do tempo. Os tipos são vasos de contenção aos princípios progressivos e eternos da vida infinita e imortal, que progridem incessantemente. A função criadora da matéria gera “armações” para a manifestação temporária do ser em marcha para os cimos da inteligência, da razão, da humanidade, da sublimação, da santificação e da angelitude. Nesse sentido, os séculos devem ser contados como dias da eternidade e não como aglomerado de anos, tal a grandeza e magnificência, beleza e excelsitude das obras-primas da vida. Grande é o roteiro e cabe-nos avançar trabalhando na prosperidade de todos e de nós mesmos.

A nossa Marcelina encontra-se aqui comigo. Acha-se forte, resistente e mais conformada. Guarda as ideias em Botafogo, mas pouco a pouco libertá-las-á a benefício dela própria. Chegou a hora de consagrar-se a outro gênero de alimentação. As panelas e caçarolas, no presente, ainda que não deseje, se converterão em vasos mais nobres para a aquisição de conhecimentos e recursos diversos, a fim de que se enriqueça de maiores valores e de bênçãos mais abundantes.

Boa noite, meus filhos. Abracem ao Roberto por mim, pela data de ontem. E reunindo vocês nesta vibração de carinho que parte do meu coração para o de vocês, abraça-os muito carinhosamente o papai que não os esquece,