"Os teus olhos são a luz do teu corpo. Se não forem simples e bons, todo o teu corpo estará em trevas. Vê, pois, bem se a luz que em ti há, são trevas. "
(Evangelho.)
Os olhos são a luz do corpo. É por meio deles que o homem se orienta e se guia, não só em seus passos como no juízo que faz das coisas. Se os olhos são bons, seus passos são acertados e seus juízos retos; se maus, seus passos são dúbios e seus juízos falhos, visto como tudo depende dessa circunstância capital.
Ora, é precisamente isso o que se observa. Os atos dos homens, a maneira de verem e julgarem as coisas estão sempre em relação direta com sua moral.
Assim como o corpo dispõe dos órgãos da vista para o plano físico, da mesma sorte a alma possui também órgãos visuais para o plano espiritual. E tais órgãos sofrem naturalmente a influência do progresso e da evolução que o espirito vai realizando através dos tempos.
É por isso que um mesmo fato pode ser julgado sob diferentes prismas.
As facetas de um mesmo acontecimento assumem proporções diversas consoante a natureza dos olhos espirituais que as observam.
Olhos há que só vêem o lado mau dos homens e das coisas. São pessimistas e não podem deixar de o ser, por que é uma questão de defeito no aparelho. Por mais que se esforcem, a perspectiva que abrangem é tão acanhada que lhes não permite divisar além.
Daí o conduzirem-se, muitos, por veredas esconsas.
Daí a origem dos juízos temerários; das blasfêmias; da covardia moral que conduz ao suicídio; da indolência e desanimo que degradam e aviltam os caracteres.
Outros olhos existem que lobrigam sempre a parte sã, o prisma bom de tudo que observam — homens e coisas. Esses são otimistas. O poder visual de que se acham dotados desgasta o mal, interpenetra-o, visando a divisar o bem que fatalmente há-de existir, ainda que em afastadas etapas.
O mal é uma contingência: só o bem possui existência real e imperecível.
Mas nem todos os olhos se acham em condições de descobrir e confirmar este asserto. Não obstante, é uma verdade. Todos os homens têm uma qualidade boa qualquer. Mesmo aqueles assinalados com o terrível estigma de bandidos e celerados, não deixam de ter, lá nos recônditos do coração, algo de puro e de belo. No meio das mais densas trevas, existe infalivelmente um ponto luminoso, uma réstia de luz.
E como não ser assim, se Deus palpita em todas as obras da criação?
Leão Tolstoi legou-nos a seguinte fábula que se enquadra perfeitamente nas considerações que acabamos de bordar em tomo deste assunto:
"Jazia um cão morto, já em estado de decomposição, estendido sobre o pedrado de uma rua. Sobre aquele corpo, onde se banqueteavam os vermes, esvoaçava e zumbia um enxame de moscas.
"Todos que por ali passavam, levavam o lenço às narinas, deixando escapar, um tanto indignados, exclamações como estas: Que imundície! que asquerosidade! que podridão! “Eis que Jesus, transitando a seu turno, por aquele local, volve seu doce olhar para as ruínas daquela forma animal que se decompunha, e diz: Pobre cão; que belos dentes tinha ele. “E foi assim que o Justo soube descobrir no meio da podridão alguma coisa cuja pureza e frescor havia escapado às vistas dos demais.