Crer, ou não crer, pouco ou quase nada deve influir no juízo que Deus faz dos homens.
Os motivos, as razões profundas que levam o homem a crer ou a não crer, é que hão-de influir necessariamente no espirito divino. A sinceridade, a convicção, a atitude firme e leal as vozes que partem do âmago insondável de nossa alma, eis os elementos ou dados que pesam na balança da suprema justiça.
Oque não crer por convicção vale mais que aquele que tem crença supersticiosa ou alimentada por motivos egoísticos. Imaginemos dois indivíduos: um deles crê outro não crê. Este, apesar de descrente, é sincero, honesto, justo e amorável; faz o bem que pode ao seu próximo e procura melhorar seu caráter. O outro a despeito de crente, é desleal, sem escrúpulos, injusto e duro de coração. Da dor e do infortúnio alheio, passa de largo como o sacerdote e o levita da parábola. Quem ousará afirmar que o fiel da balança, intérprete da indefectível justiça de Deus, penderá a favor deste crente e não em prol daquele descrente? Que razão equilibrada, que consciência esclarecida teria dúvidas em decidir pelo descrente honesto e sincero, admitindo que lhe fosse dado julgar?
Segundo seu critério, o traidor do Mestre era menos criminoso que o conquistador cuja vida aventurosa tanta efusão de sangue inocente havia provocado. Judas era também um crente, estava ao lado de Jesus, comungando com ele. Paulo era declaramente contra o Cristianismo, cujos prosélitos perseguia sem dó nem piedade. Na lapidação de Estêvão, o primeiro mártir da nova fé, Paulo toma parte saliente. Não obstante, Judas, crente nominal, vende Jesus por trinta dinheiros, e Saulo, transformado em Paulo, torna-se o maior apóstolo do Cristo.
Donde veio tal metamorfose? De crer ou de não crer em Jesus Cristo? Pois o que não cria deu extraordinário incremento à obra do Cristianismo, enquanto que aquele que cria se tornou anátema da doutrina e da fé cristã.
É que Saulo era sincero, tinha convicções, e Judas dissimulava. Este agia por egoísmo, aquele se batia por um ideal. Que importa que laborasse em erro? O que importa são os motivos, as razões profundas por que Saulo se agitava. A revelação do Céu iluminou-lhe a mente, dulcificou-lhe o coração. Ele fêz jus à voz da redenção, não porque cresse ou deixasse de crer, mas porque era leal, fiel ao seu foro íntimo, altar onde Deus pontifica. Judas não teve uma visão celeste que o desviasse do mau caminho como teve Saulo; e isto simplesmente porque Judas era infiel à consciência própria.
Os inimigos do Senhor achavam-se entre os crentes, entre os que mais se distinguiam na hierarquia eclesiástica da época. Seus acusadores acerbos junto a Pilatos, de quem arrancaram à força o veredictum condenatório, foram pontífices, sacerdotes e exegetas escriturísticos.
"Crer ou não crer" não tem o valor de "ser ou não ser". Este último dilema é positivo, enquanto que aquele outro é nebuloso, dá margem a sentidos ambíguos, pode dizer muita coisa como também pode achar-se vazio de senso e de importância. Há crentes que são exemplos de virtudes como também há outros que se distinguem pela hipocrisia, pelo fanatismo, pela intolerância e pelo desamor.