No limiar do sono, Adelino Saraiva inquiria em prece:
“Senhor, por que motivo tanta indiferença dos homens, perante a mediunidade? Prodígios aparecem, maravilhas se fazem. A sobrevivência, para lá da morte, é matéria provada. Há mais de um século, Senhor, medianeiros inúmeros hão nascido entre os homens, entregando às nações constantes mensagens da vida eterna. Por que razão a distância entre a fé e a ciência? Não seria justo obrigar o poder humano a render-se? Porque adiar a padronização da energia mediúnica, através da qual os desencarnados se exprimam, de maneira inequívoca, compelindo os povos a reconhecerem a vida, além? Sob o crivo de mentes múltiplas, a mediunidade parece combater a si própria… Entretanto, Senhor, se controlada pela administração terrestre, indiscutivelmente proporcionará demonstrações matemáticas, afirmando-se em certezas irremovíveis, qual acontece à radiofonia e à televisão.”
Saraiva entrou em sonho e, como se fosse arrebatado de improviso, reconheceu-se em cidade enorme. Ele, médium abnegado, continuava médium; contudo, fato estranho, via-se num carro faustoso, escoltado por assessores atentos. Sentia-se nimbado de importância pessoal, mas constrangido por fiscalização rigorosa.
Depois de longo trajeto por ruas e praças, em que lhe era dado observar o temor e a veneração que os circunstantes lhe tributavam, atingiu palácio soberbo, onde outros médiuns o esperavam.
Reparou que ele e os demais trajavam roupa a caráter, conforme o grau de autoridade que lhes era atribuído. Túnicas douradas, faixas róseas, auréolas de prata, símbolos, anéis, amuletos…
Ante as ordens de um chefe, acomodaram-se em poltronas para a recepção da palavra nascida nos Planos superiores. Surpreendido, porém, notou que ali, naquele monumento de governança onde a mediunidade era absolutamente reverenciada e reconhecida, a mensagem dos instrutores desencarnados não encontrava curso livre.
As lições e apelos da Esfera Sublime sofriam podas e enxertos, segundo as conveniências dos maiorais. Espíritos generosos e amigos deviam ceder lugar a vampiros astuciosos que inspiravam projetos de exploração e influência.
Conservava-se o nome de Deus e a custódia do Evangelho nas legendas da luzida reunião; contudo, à socapa, os diretores do conclave, não obstante aparente respeito aos dons medianímicos, torciam as revelações na pauta dos interesses políticos.
Finança e prestígio social, luxo e dominação surgiam na ponta. Ninguém queria saber de justiça divina e fraternidade humana. Que a Humanidade ficasse onde estava, que o povo era besta de carga, desde o princípio do mundo. Progredisse quem quisesse. Nada de auxílio espontâneo. Só o grupo prepotente devia mandar.
Conversava-se, em nome de Jesus, mas não faltava ali mesmo quem se referisse ao suposto fracasso do Mestre. Nem o Cristo havia escapado à condenação. Que companheiro algum fosse tão tolo ao ponto de provocar o levantamento de novas cruzes. Que o mundo espiritual existia, era assunto pacífico; no entanto, que ninguém se despreocupasse do bolso cheio e da mesa farta, na própria Terra, ainda que isso custasse suor e sangue dos semelhantes.
Ergueu-se Adelino, corajoso, e protestou veemente. Esclareceu que a mediunidade é instrumento do Senhor para alívio e instrução de todas as criaturas. Não devia sofrer restrições ou converter-se em agente de sindicatos das trevas, à maneira dessa ou daquela preciosa força da Natureza, jugulada pelos empresários do crime e pelos fazedores da morte…
Saraiva gritou, agitou-se, explicou e indignou-se, mas, por resposta, foi atado de pés e mãos e, em seguida, lançado ao silêncio do cárcere.
Debatia-se, apavorado, na laje fria, cercado de aranhas e escorpiões, quando acordou, no leito, suarento e desfigurado, verificando que a experiência não passara de pesadelo…
Saraiva sentou-se e refletiu maduramente. Logo após, colocando-se em prece para agradecer a lição recebida, viu Rogério, o amigo espiritual, que o assistia nas tarefas comuns, a dizer-lhe, bem humorado:
— Compreendeu, meu filho? Vocês consideram estranha a atitude do Plano Superior, deixando a mediunidade ao alcance de todos, muitas vezes submetida aos caprichos de cada um, embora com a luz da Doutrina Espírita a plasmar-lhe roteiro; contudo, enquanto os governantes do mundo não se edificarem nos merecimentos do Espírito, se não quisermos ser dinamite no carro da perturbação e da violência, é necessário sofrer o desprezo dos poderosos e continuar assim mesmo.