Contos Desta e Doutra Vida

Capítulo VIII

Macário Fagundes



Quando o Espírito de Macário Fagundes bateu à porta da Esfera Superior, sobraçava à altura do peito elegante volume da Bíblia.

A Bíblia resumira-lhe na Terra as preocupações e os objetivos.

Estudara religiões. Simpatizara com todas. Contudo, refugiara-se na Bíblia, dela fazendo argumento de última instância.

Fora a Macário que um amigo, certa feita, ponderara, delicado: “Fagundes, não tenho dúvidas quanto ao Novo Testamento, em que realmente sentimos a presença do Cristo, mas, no que se reporta aos antigos profetas, creio tudo devamos examinar com raciocínio e discernimento. Você acredita, por exemplo, no caso de Jonas, qual vem relatado pelos cronistas? Aceita que Jonas tenha sido tragado por uma baleia, viajando são e salvo dentro dela?” (Jn 2:1) E Macário respondera, firme: “A letra do Velho Testamento não pode falhar. Acredito piamente que a baleia engoliu Jonas para que ele cumprisse a missão de que estava incumbido, e, se estivesse escrito na Bíblia que Jonas engolira a baleia, eu aceitaria a informação com a mesma fé.”

Pois era Macário quem se perfilava agora, reverente, ao pé da Sagrada Porta.

Mensageiro espiritual atendeu, presto. E Fagundes explicou a própria condição. Vinha do mundo. Fora cristão fiel. Perdera o corpo de carne, no fenômeno da morte, e queria lugar para descanso. Para isso, acrescentava, vivera no temor da Bíblia, consagrando-se a ela de alma e coração.

— Entretanto, Fagundes, que fez você com a Bíblia? — indagou o amanuense, calmo.

— Peço licença para alongar-me um tanto na resposta — rogou o recém-chegado —, pois gastei a existência analisando ensinamentos e confrontando textos.

— Perfeitamente. Você esclarecerá a própria situação como deseje.

E Macário passou a elucidar:

— Adorei a Bíblia como sendo a Palavra de Deus, em todos os meus dias. Sei que outros estudantes possuem apontamentos mais ou menos diversos de minha estatística pessoal, efetuada em longo tempo de estudo; no entanto, posso dizer que a Bíblia está contida em 69 livros, sendo 42 no Velho Testamento e 27 no Testamento Novo.

E prosseguiu:

— O Tesouro Eterno, dentro dos livros referidos, está formado por 1.189 capítulos. Os 1:189 capítulos estão divididos em 31.138 versículos. Os 31:138 versículos possuem 774.748 palavras. As 774.748 palavras estão articuladas com 3.566.512 letras. O meio da Bíblia fica no versículo 8, do Salmo 118, em que o profeta diz claramente: “É melhor confiar no Senhor do que confiar no homem.” (Sl 118:8) O versículo mais longo é o de número 9, do capítulo VIII, do Livro de Ester, (Et 8:9) que relaciona uma ordem de Mardoqueu, e o versículo mais curto é o de número 35, do capítulo XI, do Evangelho de João, (Jo 11:35) que dá notícia do pranto de Jesus por Lázaro morto.

Creio seja desnecessário alinhar anotações vulgarmente sabidas, mas é importante apontar que a Bíblia gastou cerca de mil anos para ser escrita, e está traduzida em mais de mil línguas e dialetos. Macário silenciou.

Admitindo que ele apresentara quanto pretendia, o mensageiro replicou:

— Efetivamente, a sua cultura do livro sagrado é espantosa, mas houve um mal-entendido. Desejamos saber o que você realizou com a Bíblia no coração e nas mãos…

— Ah! — tornou Fagundes, repentinamente desapontado. — Já disse o que consegui… Minha confiança na Bíblia diz tudo…

— Sim, os seus conhecimentos são admiráveis; no entanto, a Esfera Superior pede obras, obras edificantes… A Lei determina seja cada um de nós julgado pelas próprias obras… (Mt 16:27) É preciso que você relacione os próprios feitos…

— O apóstolo Paulo — adiantou Macário, desculpando-se — declara no versículo 1, do capítulo 5, na Epístola aos Romanos, que “justificados pela fé temos paz com Deus, por Nosso Senhor Jesus-Cristo”. (Rm 5:1)

— Sem dúvida — atalhou o amigo espiritual —, a fé constitui o alicerce de todo trabalho, tanto quanto o plano é o início de qualquer construção. O apóstolo Paulo deve ser atenciosamente ouvido, mas não podemos esquecer a palavra do Divino Mestre, no versículo 34, do capítulo 13, no Evangelho de João: “Amai-vos uns aos outros como vos amei.” (Jo 13:34) Não ignoramos que Jesus nos amou em plena renunciação de si mesmo para melhor servir.

— É… é… de fato…

E Fagundes indagou:

— E agora? se me dediquei completamente à fé, que fazer agora?

— É preciso voltar à Terra e nascer de novo para fazer o bem que ensinamos. O próprio Cristo não teve outro programa, perante Deus, e Paulo de Tarso, que exaltou a fé, não viveu outras diretrizes diante do Cristo… Crer, sim, mas fazer também. Fazer muito e sempre o melhor…

Macário resmungou, chorou, lastimou-se, reclamou; contudo, não teve outro remédio senão aceitar a verdade e nascer de novo.

(.Humberto de Campos)