Atendendo a certas interrogações de Simão Pedro, no singelo agrupamento apostólico de Cafarnaum, Jesus explicava, solícito:
— Destina-se a Boa-Nova, sobretudo, à vitória da fraternidade.
Nosso Pai espera que os povos do mundo se aproximem uns dos outros e que a maldade seja esquecida para sempre.
Não é justo se combatam as criaturas reciprocamente, a pretexto de exercerem domínio indébito sobre os patrimônios da vida, dos quais somos todos simples usufrutuários.
Operemos, assim, contra a inveja que ateia o incêndio da cobiça, contra a vaidade que improvisa a loucura e contra o egoísmo que isola as almas entre si…
Naturalmente, a grande transformação não surgirá de inesperado.
Santifiquemos o verbo que antecipa a realização.
No pensamento bem conduzido e na prece fervorosa, receberemos as energias imprescindíveis à ação que nos cabe desenvolver.
A paciência no ensino garantirá êxito à sementeira, a esperança fiel alcançará o Reino Divino, e a nossa palavra, aliada ao amor que auxilia, estabelecerá o império da infinita Bondade sobre o mundo inteiro.
Há sombras e moléstias por toda parte, como se a existência na Terra fosse uma corrente de águas viciadas. É imperioso reconhecer, porém, que, se regenerarmos a fonte, aparece adequada solução ao grande problema. Restaurado o espírito, em suas linhas de pureza, sublimam-se-lhe as manifestações.
Em face da pausa natural que se fizera, espontânea, na exposição do Mestre, Pedro interferiu, perguntando:
— Senhor, as tuas afirmativas são sempre imagens da verdade. Compreendo que o ensino da Boa-Nova estenderá a felicidade sobre toda a Terra… No entanto, não concordas que as enfermidades são terríveis flagelos para a criatura? E se curássemos todas as doenças? Se proporcionássemos duradouro alívio a quantos padecem aflições do corpo? Não acreditas que, assim, instalaríamos bases mais seguras ao Reino de Deus?
E Filipe ajuntou, algo tímido:
— Grande realidade!… Não é fácil concentrar ideias no Alto, quando o sofrimento físico nos incomoda. É quase impossível meditar nos problemas da alma, se a carne permanece abatida de achaques…
Outros companheiros se exprimiram, apoiando o plano de proteção integral aos sofredores.
Jesus deixou que a serenidade reinasse de novo, e, louvando a piedade, comunicou aos amigos que, no dia imediato, a título de experiência, todos os enfermos seriam curados, antes da pregação.
Com efeito, no outro dia, desde manhãzinha, o Médico Celeste, acolitado pelos apóstolos, impôs suas milagrosas mãos sobre os doentes de todos os matizes.
No curso de algumas horas, foram libertados mais de cem prisioneiros da sarna, do cancro, do reumatismo, da paralisia, da cegueira, da obsessão…
Os enfermos penetravam o gabinete improvisado ao ar livre, com manifesta expressão de abatimento, e voltavam jubilosos.
Tão logo reapareciam, de olhar fulgurante, restituídos à alegria, à tranquilidade e ao movimento, formulava Pedro o convite fraterno para o banquete de verdade e luz.
O Mestre, em breves instantes, falaria com respeito à beleza da Eternidade e à glória do Infinito; demonstraria o amor e a sabedoria do Pai e descortinaria horizontes divinos da renovação, desvendando segredos do Céu para que o povo traçasse luminoso caminho de elevação e aperfeiçoamento na Terra.
Os alegres beneficiados, contudo, se afastavam, céleres, entre frases apressadas de agradecimento e desculpa. Declaravam-se alguns ansiosamente esperados no ambiente doméstico e outros se afirmavam interessados em retomar certas ocupações vulgares, com urgência.
Com a cura do último feridento, a vasta margem do lago contava apenas com a presença do Senhor e dos doze aprendizes.
Desagradável silêncio baixou sobre a reduzida assembleia.
O pescador de Cafarnaum endereçou significativo olhar de tristeza e desapontamento ao Mestre, mas o Cristo falou, compassivo:
— Pedro, estuda a experiência e guarda a lição. Aliviemos a dor, mas não nos esqueçamos de que o sofrimento é criação do próprio homem, ajudando-o a esclarecer-se para a vida mais alta.
E sorrindo, expressivamente, rematou:
— A carne enfermiça é remédio salvador para o espírito envenenado. Sem o bendito aguilhão da enfermidade corporal é quase impossível tanger o rebanho humano do lodaçal da Terra para as culminâncias do Paraíso.