Contos e Apólogos

Capítulo XXXIII

A estrada de luz



Quando o primeiro homem desceu aos vales e aos montes da Terra, sentiu que a miséria lhe entravava todos os passos. Entristecido, ante a contemplação de pântanos e desertos, voltou, receoso, ao Trono do Senhor e rogou em voz súplice:

— Pai misericordioso, compadece-te de mim! A indigência persegue-me, socorre a minha extrema pobreza!…

E o Todo-Bondoso, prometendo-lhe proteção e carinho, recomendou-lhe o trabalho das mãos.

O homem tornou à gleba escura e triste e agiu, corajosamente.

Improvisando utensílios rústicos, distribuiu as águas, drenou os charcos, selecionou as plantas frutíferas e conseguiu edificar o primeiro ninho doméstico.

Instalado, porém, na casa simples, reconheceu que a ignorância lhe ensombrava a imaginação. Amedrontado com as inibições espirituais que o sufocavam, regressou ao Céu, implorando:

— Senhor, Senhor, minha cabeça jaz em trevas… Auxilia-me! Dá-me claridade ao entendimento!…

E o Todo-Sábio, reafirmando-lhe o seu amor infinito, aconselhou-lhe o trabalho do pensamento.

Atendendo a indicação, o homem passou a observar com redobrada paciência os fenômenos que o cercavam, adquirindo preciosas lições da Natureza e criando, com o esforço próprio, os primeiros livros de pedra.

Ilhado, todavia, em tarefas e estudos, experimentou o anseio de exteriorizar-se e voar… A solidão amargava-lhe o espírito. Aspirava à comunhão com os outros seres, anelava penetrar os segredos do firmamento. Depois de muitas lágrimas, retornou ao Paraíso e pediu em pranto:

— Pai, estou sozinho… Ampara-me! Ajuda-me a fugir do cárcere de mim mesmo!..

O Todo-Poderoso, afagando-lhe a fronte, abençoou-lhe a presença e receitou-lhe o trabalho dos sentidos.

O homem, surpreso, mobilizou os recursos dos olhos e dos ouvidos e, contemplando as estrelas luzentes, mirando as flores, auscultando a beleza das pedras e dos metais e ouvindo as vozes das fontes e dos ventos, descobriu a arte, em cuja companhia pôde afastar-se do mundo, em espírito, na direção das Esferas Superiores.

Rodeado de enorme descendência, passou a ser visitado pelo cortejo de variadas enfermidades. Espantado com a ruína física dos filhos e dos netos, recorreu, aflito, ao Senhor, suplicando, lacrimoso:

— Pai Amado, as moléstias devastam-me a casa… Que será de mim? Assiste-nos com a tua compaixão!…

O Todo-Amoroso sorriu, compassivo, reiterou-lhe a promessa de auxílio e recomendou-lhe o trabalho do raciocínio.

Examinando detidamente as plantas e os minerais, o homem conseguiu a formação de numerosos remédios para combater as doenças que o vergastavam.

Mais tarde, com o aprimoramento da paisagem e com a prosperidade dos seus bens, foi assaltado por diversas tentações. A inveja, o orgulho e a vaidade sopravam-lhe aos ouvidos os mais estranhos projetos.

Aflito, procurou o Trono Divino e solicitou, amargurado:

— Senhor, gênios perversos me atormentam a vida!… Fortalece-me contra a loucura!…

O Todo-Generoso acariciou-lhe a cabeça trêmula e indicou-lhe mais trabalho para a atenção.

O homem tornou à Terra imensa e procurou fugir de si mesmo, através da atividade incessante, instituindo novas colônias de serviço para a multiplicação das tarefas gerais, garantindo, com isso, a sua harmonia mental.

Dias rolaram sobre dias…

Depois de muitos anos, já encanecido, notou que os seus inúmeros descendentes surgiam irritados e desarmônicos, a propósito de inutilidades e ilusões. A discórdia armava entre eles perigosos abismos…

Torturado, o infeliz demandou à Casa do Senhor, mas reparou com surpresa que o Paraíso elevara-se além das estrelas…

Triste e cansado, orou em lágrimas ardentes.

O Todo-Compassivo não veio pessoalmente ouvir-lhe a súplica, mas enviou-lhe um mensageiro, aureolado de bondade e de luz, que lhe falou carinhosamente:

— Volta ao mundo, em nome do Senhor, e trabalha constantemente. Se teus filhos e netos se desentendem uns com os outros, dá trabalho ao teu coração, amando, perdoando, servindo e ensinando sempre…

E, porque o homem indagasse sobre a ocasião sublime em que lhe caberia repousar na companhia do Eterno Pai, o emissário respondeu, delicado e solícito:

— Vai e constrói. Segue e atende ao progresso. Avança, marcando a tua romagem com os sinais imperecíveis das boas obras!… O trabalho, entre as margens do amor e da reta consciência, é a estrada de luz que te reconduzirá ao Paraíso, a fim de que a Terra se transforme no divino espelho da Glória de Deus.


(.Humberto de Campos)