Conversa Firme

Capítulo XV

Doença e defesa



Vão aqui algumas notas,

Meu caro Celso Proença,

As notas de muito pouco

Do que sei sobre doença.


Esta verdade sabida

Não se deixa para trás:

Cada pessoa na vida

Encontra aquilo que faz.


Cada qual colhe o que planta,

— Eis o ponto a que me alinho.

Cada um colhe no tempo

O que deixou no caminho.


Temos nós neste princípio

Sem que ninguém o degrade,

A chave de solução

Aos casos de enfermidade.


Na Terra, muita moléstia,

Posso afirmar sem receio,

Nasce da gula sem pausa

Ou vem da falta de asseio.


Mas, no mundo, certos males,

Dos mais teimosos que temos,

Por escoras defensivas,

Somos nós que os requeremos.


Noto aqui, de muito perto,

Almas cansadas e aflitas,

Lutas, juízes, processos

E petições esquisitas.


A quem se veja por dentro

E a graves penas se arrime,

Rogando mutilações

Em que se afaste do crime.


Muita gente que acendia,

Guerra, conflito, fogueira,

Suplica berço em penúria

Na provação da cegueira.


Os corações que traíram

As afeições do passado

Rogam corpo em que se vejam

De sexo torturado.


Quem procurava escutar

Em louvor da insensatez,

Pede problemas difíceis

Na condição da surdez.


Alcoólatras delinquentes

Sob remorso profundo,

Rogam rins destrambelhados

Que os façam sóbrios no mundo.


Muita gente de outras eras

Que de ódio se nutria,

Encontro pedindo berço

Na prova da idiotia.


Quem cultivava discórdia,

Criando trevas no estudo,

Solicita internação

Em corpo débil e mudo.


Pense, meu caro, e verá

Sem raciocínios extremos:

Doença que não se arreda

É a ficha do que fizemos.


Parece contradição,

Mas isto é de lei segura:

A culpa que se contrai

É só doença que cura.