Coração e Vida

Capítulo XIII

História de uma festa



O palacete brilha. A agitação é imensa.

Lâmpadas recordando opalas e rubis

São postas no jardim para serem acesas,

Orquídeas multiplicam-se nas mesas,

É o natalício em luz da pequena Beatriz.


Ela, o centro da festa, a bela pequenina,

Naquele casarão feito em linhas austeras,

Completava oito lindas primaveras.

Para todos aqueles que a cercavam,

Era sempre gentil, generosa e suave,

Um encanto de menina.


O dia terminava, ante o sol inda quente,

Entretanto, Beatriz,

Muito embora gripada,

Sentia-se feliz

Na ideia de abraçar a muita gente…

A única filha do casal Garcia

Parecia voar num sonho de alegria.


De minuto a minuto, estava à porta grande,

Fitava a rua, em vão, para todos os lados

E perguntava-se, ansiosa,

De onde estariam vindo os convidados.


Quase que de improviso,

Ela enxerga Marcela, armada de sacola,

A menina descalça e maltrapilha,

Que, às vezes, passa ali pedindo esmola

Para ajudar ao pai paralítico e só;

Beatriz sente dó

Da pequena vestida em trapos remendados

E, abraçando-a, anuncia:

— Vem comigo, Marcela, hoje é meu dia,

Quero que comas do meu bolo.

Mas, ao apresentá-la

À senhora Garcia,

Que parece manter-se de vigia,

Nos adornos da sala,

A filhinha acrescenta:

— Mamãe, esta é Marcela,

Que sempre vai ao nosso educandário,

Tem o papai doente e espera o nosso auxílio,

Peço à senhora dar a ela

Um pedaço do bolo

De meu aniversário.


A menina, porém, escuta em desconsolo,

A mãezinha dizer, séria e zangada:

— Por onde foi você

Buscar esta garota esfarrapada?

Nossa festa é de amigos,

Nossa casa não tem ligação com mendigos.

E fitando Marcela, a dama continua:

— Saia agora daqui, seu lugar é na rua…


A menina em andrajos sai correndo,

Mas Beatriz parada,

Sob choque tremendo,

Chora desconsolada…

— Filha, por que você conserva essa mania,

— Diz com severidade a senhora Garcia

De dar tanta atenção a crianças imundas?

Não mais me traga aqui pequenas vagabundas.


Pouco tempo depois, a festa começava…

Ante o bolo enfeitado e oito velas pequenas,

Vozes erguiam felicitações,

Irmanavam-se os votos e as canções,

E num painel de rosas e açucenas,

Uma orquestra vibrava…


Terminada, porém, a festa linda,

A família Garcia enfrenta o inesperado;

Nove horas da noite… Cedo ainda…

A pequena Beatriz havia piorado.

Tinha a cabeça em fogo, o corpo em febre alta…

O médico é chamado, investiga, examina

E conclui pela voz da medicina:

— Infelizmente, é o crupe… um monstro fulminante…

Vem a medicação. De instante para instante,

A doente piora, agita-se, delira

E pergunta à mamãe: — Quem chama e se retira?

Ah! mamãe, eu já sei quem expulsou Marcela,

Quero dar de meu bolo um pedacinho a ela..

Por que tenho, mamãe,

Tanta roupa guardada,

E Marcela anda assim esfarrapada?

Por que Deus não quis dar a ela, o que me deu?


A mãezinha, chorando, nada respondeu.

Mas Beatriz prossegue: — eu quero ver Marcela!…


Servidores da casa postos à procura

De favela em favela,

Não acharam sinal da pequena criatura…


Finda a noite, ao clarão do amanhecer,

Depois de rápida agonia,

Mal começava o novo dia,

A querida Beatriz, dantes contente e forte,

Desfaleceu, por fim, ante os braços da morte…


Ao ver a filha morta, a senhora Garcia

Gritou a soluçar:

— Deus de Imensa Bondade,

Eu sei que o teu amor me ampara e me perdoa…

Clamando a própria dor, em desespero enorme,

Vendo a filha na calma de quem dorme,

Rogou-lhe a pobre mãe, a desfazer-se em pranto:

— Filha de minha vida, meu encanto,

Não te afastes de mim que te amo tanto…

Eu quero ser humilde, ensina-me a ser boa

Não me deixes no mal, volve do Mais Além,

Guia a mim, tua mãe, na prática do bem!…


Mas a meiga Beatriz, agora sem mais dor

E sem dizer mais nada,

Que pudesse afastar o pesado amargor

Da mãezinha cansada,

Estampou sobre a face um sorriso de amor.