O palacete brilha. A agitação é imensa. Lâmpadas recordando opalas e rubis São postas no jardim para serem acesas, Orquídeas multiplicam-se nas mesas, É o natalício em luz da pequena Beatriz. Ela, o centro da festa, a bela pequenina, Naquele casarão feito em linhas austeras, Completava oito lindas primaveras. Para todos aqueles que a cercavam, Era sempre gentil, generosa e suave, Um encanto de menina. O dia terminava, ante o sol inda quente, Entretanto, Beatriz, Muito embora gripada, Sentia-se feliz Na ideia de abraçar a muita gente… A única filha do casal Garcia Parecia voar num sonho de alegria. De minuto a minuto, estava à porta grande, Fitava a rua, em vão, para todos os lados E perguntava-se, ansiosa, De onde estariam vindo os convidados. Quase que de improviso, Ela enxerga Marcela, armada de sacola, A menina descalça e maltrapilha, Que, às vezes, passa ali pedindo esmola Para ajudar ao pai paralítico e só; Beatriz sente dó Da pequena vestida em trapos remendados E, abraçando-a, anuncia: — Vem comigo, Marcela, hoje é meu dia, Quero que comas do meu bolo. Mas, ao apresentá-la À senhora Garcia, Que parece manter-se de vigia, Nos adornos da sala, A filhinha acrescenta: — Mamãe, esta é Marcela, Que sempre vai ao nosso educandário, Tem o papai doente e espera o nosso auxílio, Peço à senhora dar a ela Um pedaço do bolo De meu aniversário. A menina, porém, escuta em desconsolo, A mãezinha dizer, séria e zangada: — Por onde foi você Buscar esta garota esfarrapada? Nossa festa é de amigos, Nossa casa não tem ligação com mendigos. E fitando Marcela, a dama continua: — Saia agora daqui, seu lugar é na rua… A menina em andrajos sai correndo, Mas Beatriz parada, Sob choque tremendo, Chora desconsolada… — Filha, por que você conserva essa mania, — Diz com severidade a senhora Garcia De dar tanta atenção a crianças imundas? Não mais me traga aqui pequenas vagabundas. Pouco tempo depois, a festa começava… Ante o bolo enfeitado e oito velas pequenas, Vozes erguiam felicitações, Irmanavam-se os votos e as canções, E num painel de rosas e açucenas, Uma orquestra vibrava… Terminada, porém, a festa linda, A família Garcia enfrenta o inesperado; Nove horas da noite… Cedo ainda… A pequena Beatriz havia piorado. Tinha a cabeça em fogo, o corpo em febre alta… O médico é chamado, investiga, examina E conclui pela voz da medicina: — Infelizmente, é o crupe… um monstro fulminante… Vem a medicação. De instante para instante, A doente piora, agita-se, delira E pergunta à mamãe: — Quem chama e se retira? Ah! mamãe, eu já sei quem expulsou Marcela, Quero dar de meu bolo um pedacinho a ela.. Por que tenho, mamãe, Tanta roupa guardada, E Marcela anda assim esfarrapada? Por que Deus não quis dar a ela, o que me deu? A mãezinha, chorando, nada respondeu. Mas Beatriz prossegue: — eu quero ver Marcela!… Servidores da casa postos à procura De favela em favela, Não acharam sinal da pequena criatura… Finda a noite, ao clarão do amanhecer, Depois de rápida agonia, Mal começava o novo dia, A querida Beatriz, dantes contente e forte, Desfaleceu, por fim, ante os braços da morte… Ao ver a filha morta, a senhora Garcia Gritou a soluçar: — Deus de Imensa Bondade, Eu sei que o teu amor me ampara e me perdoa… Clamando a própria dor, em desespero enorme, Vendo a filha na calma de quem dorme, Rogou-lhe a pobre mãe, a desfazer-se em pranto: — Filha de minha vida, meu encanto, Não te afastes de mim que te amo tanto… Eu quero ser humilde, ensina-me a ser boa Não me deixes no mal, volve do Mais Além, Guia a mim, tua mãe, na prática do bem!… Mas a meiga Beatriz, agora sem mais dor E sem dizer mais nada, Que pudesse afastar o pesado amargor Da mãezinha cansada, Estampou sobre a face um sorriso de amor. |