Perita auxiliar de ginecologia, Sempre atenta às questões de luxo e reconforto, A senhora dizia: — Meu problema não é a prática do aborto, Tento apenas livrar a mulher desprezada, Dos desgostos fatais que a esperam na estrada Quando o homem lhe fere o brio feminino… Amigos respondiam: — Mas, no caso, a mulher, ante as leis do destino, Não será responsável quando aceita Ser mulher-mãe do filho que carrega? Se ao homem que a buscou ela própria se entrega? Sabemos que o Espírito Enlaça o corpo de que se aproveita Quando estão, ele e ela, em comunhão perfeita. A senhora, entretanto, Falava, contrafeita: — Não protesto, nem digo que estou certa, Sei apenas que estou em minha profissão, Tanto quanto angario apreço e estimação, Creio que faço o bem, liberando a mulher Do fardo que ela traz quando não quer; Além do mais, preciso do dinheiro Para dar minha filha a um caminho seguro, Uma bela mansão, um marido e o futuro Sem aflição e sem dificuldade… Ela agora possui quinze anos completos; Sonho vê-la feliz ao dar-me vários netos… Para isso, o dinheiro é a base inesquecível, Depósito bancário é melhora de nível. Vejo no meu trabalho um trabalho qualquer Simples mulher que ajuda a uma outra mulher, Não tenho hesitação, nem penso quanto a isso, Aborto é proteção a quem presto serviço; Desde que a candidata chegue mascarada, Passo a cumprir o meu dever E não quero saber Se veio acompanhada ou desacompanhada, Se anota o nome ou não, Não quero queixa, nem complicação, Cada uma a que atendo é mais seis mil!… E aditava, esboçando um sorriso gentil: — Preciso de milhões… Desdobrava-se o tempo, hora por hora, Quando em chuvosa noite surge uma senhora, Pagando a taxa de seis mil cruzeiros. Ela explica que trouxe uma sobrinha pobre Para comprar a intervenção… Declara-se parenta e mostra-se incumbida De socorrer a moça e dar-lhe proteção, Quer mantê-la, porém, desconhecida… A senhora ouve, calma, e concorda em seguida: — Entendo, claramente, Cada pessoa está em sua própria vida… Entra no gabinete a jovem mascarada, Parece muda e surda que se entrega A uma força terrível, dura e cega… Ao ver-lhe o corpo verde de menina, A senhora em ação Elogia-lhe a pele alabastrina; Mas, aparentemente sem razão, Quando o chamado auxílio estava em meio, Estranha hemorragia surge em cheio… A jovem geme, a parteira entra em luta… Nada consegue… O sangue explode e vence-a. A dama ao telefone roga a um médico amigo Que lhe venha em socorro… Vê a moça em perigo, Quer salvar-lhe a existência, Mas o sangue que sai prossegue a jorro… Chega o médico à pressa, Nota a menina em coma… — Nada mais a fazer — diz ele quando a toma, A fim de examinar-lhe o pulso e, logo após, Diz à parteira aflita: — É uma jovem bonita, Liberemos a face, enquanto estamos sós. Ele mesmo retira a máscara em veludo Quer anotar-lhe o rosto para estudo… Eis, porém, que aparece A mocinha, a morrer, num sorriso tristonho, Qual criança que dorme a fitar a luz do último sonho… Mas ao ver-lhe, de todo, a face em primavera, Grita a pobre senhora em gemidos de fera: — Por que? Por que, meu Deus, esta dor que me mata? Em pranto convulsivo a dor se lhe desata… É que, ao fitar o corpo enfeitado em rendilha, Naquele rosto lindo e pálido, ante a morte, A rugir e a chorar sem nada que a conforte, A senhora encontrara a sua própria filha. |