Frei Damião vivia numa choça, A mais humilde que idear se possa, Um recanto perdido, entre serros perdidos, Amparando aos doentes e aos caídos. Mãos calosas na gleba, ele mesmo produz O pão que come e a roupa que o reveste E agora mais cansado, mais sozinho, Acolhe os viajantes do caminho, Quais se fossem Jesus. Era assim que vivia o servo do Senhor: Coração transformado em pousada de amor. Aos romeiros sem lar, de visita à choupana, A lhe pedirem rumo, amparo e vida nova Sabia atenuar os rigores da prova, Doando-lhes consolo à rude estrada humana. Fosse ao pranto de mãe, fosse a triste mendigo, Aos enfermos sem fé que o desespero alcança, Aos famintos de pão, às almas em perigo Entregava o socorro e a bênção da esperança. Assim envelhecera Frei Damião Sentindo Jesus-Cristo em cada coração. Quanto tempo vivera não sabia, Auxiliava a todos, noite e dia… Mais tarde, adoeceu… E, mesmo assim, Curvado para a Terra, erguia as mãos trementes, Socorrendo viajores e doentes, Embora sempre a febre a recordar-lhe o fim… De corpo gasto e desarticulado, Numa noite de gelo, ele escuta um chamado: — Damião, Damião, há mau tempo, abre a porta, Liberta-me do frio que me corta!… Levanta-se o velhinho e abre a cabana estreita, Vê diante de si um enfermo que se arrasta, Nota-lhe o corpo em lepra, a desfazer-se todo, É um pedinte de estrada em chaga, sangue e lodo… — Abriga-me hoje só — ele diz, suplicante — Damião não vacila e dá-lhe o próprio teto. Lá fora, a ventania é o tumulto completo. Ulula o furacão desatado e violento, Tombam troncos viris aos arrancos do vento… — Tenho fome, Damião — clama o recém-chegado — O velhinho febril treme, avança, tateia, Procura o pão guardado E dá-lhe o pão que tem, entre o prato e a candeia. — Tenho sede, Damião, pede o estranho viajor, Trago a garganta em fogo, em tremenda secura… Damião traz-lhe um pouco de água pura E o pobre continua, em voz lenta e magoada: — Tenho frio, Damião, sofri muito na estrada… O irmão da caridade não hesita, Dá-lhe a pele de uso que o recobre, Entretanto, o infeliz, tão triste quanto pobre Exclama: — estou cansado, a inquietação me agita, Ajuda-me a dormir Quero um leito, Damião… Damião dá-lhe o leito e se deita no chão. Mas o pobre na cama, agasalhado e quente Roga em pranto: Damião, tenho o corpo doente, Aquece-me, por Deus, tenho a carne ferida, Vem a mim!… Teu calor pode salvar-me a vida!… Damião não vacila, ergue-se com carinho, Ele conhece a dor dos tristes do caminho… Lembra outras noites más, chuvosas e nevoentas, E abraça-lhe, ao deitar-se, as chagas purulentas… Mas nisso a choça escura se ilumina… Damião sente um choque… E busca o itinerante Mas já não vê o pobre suplicante… Erguera-se o mendigo, Mostra um rosto diverso e um sorriso sereno… Ajoelha-se, à pressa, o irmão dos infelizes E no pranto a banhar-lhe o rosto em cicatrizes, Reconhece no estranho o Mestre Nazareno. Ele fita em Damião o olhar de amor e luz, E enquanto a tempestade estraçalha o arvoredo, Como quem sente o Céu em divino segredo, Damião deslumbrado, Tendo o Amigo Celeste, lado a lado, Diz apenas: Jesus!… O Mestre se aproxima e fala-lhe, de manso: — Damião, vem comigo, Encontrarás agora o tempo do descanso… No outro dia, mais cedo, outro irmão aparece Vem rogar a Damião a bênção de uma prece, Mas verifica em mágoa e desconforto: O irmão da caridade estava morto, No entanto, qual se o corpo imóvel resguardasse Recôndito vigor, Trazia na algidez da própria face Uma expressão de paz e um sorriso de amor. |