Coração e Vida

Capítulo II

Renúncia maternal



A senhora ofegante agoniza no leito.

Ministrara-lhe o filho

Para acalmar-lhe a dor medicação suposta…

Agora compreendia…

Era um crime perfeito

E o coma inesperado

Atingia-lhe, em cheio, por resposta:


Ali estavam ambos. Noite alta.

O rapaz não percebe

Toda a extensão da própria falta.

Na câmara trancada, ela jaz consciente;

Não teria suposto o filho amigo e inteligente

Que ela criara aos mimos,

Entre risos e beijos,

Para brilhar nos grandes cimos

Do campo social,

Capaz de impor-lhe assim

Tão doloroso fim

Na moldura do mal.


Ao derradeiro olhar da vítima que sofre,

O rapaz abre o cofre

E retira o dinheiro ali depositado,

Além da grande soma de contado,

Ele, o moço infeliz,

Furta os brilhantes e os rubis,

Os adereços de ouro, as pedras raras

E as coleções mais caras

Que falavam tão alto ao coração materno…

Vendo que a genitora

Nele fixa o olhar piedoso e terno

Ao entregar-se a morte,

Ele, calmo, efetua o lúgubre transporte

Do tesouro que passa a usufruir

Para local

Que ninguém, mas ninguém da moradia enorme

Poderá descobrir.


Logo depois, enquanto a casa dorme,

Ante a mãe morta, agora enrijecida,

Ele prepara a cena pela qual

Ela será interpretada

Na condição de pobre dementada

E doente suicida.

Por detalhe final

Coloca junto dela

Uma taça de estranho corrosivo,

Um veneno letal

Tisnando o guaraná inofensivo.

Em seguida, abre a porta,

Conclama servidores,

Grita clamando a dor que o desconforta,

Diz que a mãe se fizera

Lamentável suicida,

Por sofrer grande tédio em toda a vida…

Roga estejam presentes

Autoridades competentes,

E, após o barulhento funeral,

Ei-lo rico, afinal,

Na sede de fazer no mundo o que quiser,

Sem recordar sequer,

Que acima das criaturas e das cousas

Outra vida palpita além das lousas.


Mas, no Além, oh! segredo soberano,

Aquela mãe liberta,

Sente falta do filho desumano,

Reconhece que o ama e nota que o perdoa,

Imensamente terna e imensamente boa…

Mostrando o coração por brilhante luzeiro

Ante as Mansões da Paz, encontra um mensageiro

Que lhe oferece os Céus por recompensa…

Ela pode habitar numa estrela suspensa,

Em sublimes tarefas de eleição,

Nas quais encontre paz, felicidade,

Alegria e mais luz ao coração…

Ela, porém, humilde,

Disse não esperar

Poder subir, sozinha, aos sóis do Eterno Lar;

E porque o mensageiro lhe indagasse

Sobre o que mais desejaria,

A explicar-lhe

Que o mérito alcançado

Não lhe impunha incerteza ou qualquer empecilho.

A pobre replicou, timidamente:

— Creio eu que o Senhor

Coloca o nosso céu onde está nosso amor!…

Anjo bom, se Jesus terno e clemente,

Pode ainda me ouvir, por imensa piedade,

Quero dizer que não desejo

Outra felicidade,

Outro céu e outro brilho,

Nem qualquer redenção,

Além da permissão

De voltar para a Terra e proteger meu filho!…