Depois de zero hora. E a dama recordava O filho de quem fora venturosa escrava. No bairro, era o silêncio a dominar nas ruas… Quantas horas da noite? Um tanto, além das duas… E a senhora viúva, acostada no leito Lembrava o filho amado, o jovem belo e forte, Que o coração de mãe supusera perfeito, Cuja fuga de casa, Fora no pai amigo o motivo da morte. Vinte anos de ausência!… — e ela refletia Em todo aquele tempo de agonia. O filho que criara, a beijos de ternura, De quem não descansava na procura, A quem nunca levara o mínimo desgosto, E a quem ela e o marido haviam dado tudo, Dinheiro, ostentação, brilho e facilidades, Buscando adivinhar-lhe todas as vontades, Recusara o trabalho e renegara o estudo… Por fim, todo inclinado à cocaína, Desertou porque o pai tão somente o internasse Num colégio distinto em que se lhe evitasse A droga deprimente… Insone, calma e ativa, A memória se lhe aviva E inacessível a calmantes, Rememora a tragédia de anos antes. O moço nunca mais voltara ao lar. Ralada por extremo desconforto, Logo após, ela vira o companheiro morto De saudade e pesar. Mudara-se de bairro e residência, Mas nada lhe alterara as lutas da existência. Vinte anos de pranto e de aflição Haviam feito dela Pobre mãe transformada em sentinela Da casa nobre e farta, à espera do rapaz, Que lhe arrasara a vida, a segurança e a paz, E que ela amava ainda… Mas enquanto pensava, ouve um ruído leve. Escutou, escutou… Alguém de passo curto Estava em quarto próximo, Certamente na prática do furto. Ao choque, ela chamou, em altos brados, A colaboração dos empregados, Mas o assaltante se aproxima, A valer-se da sombra em todo o espaço estreito; Era um homem robusto a lhe cair por cima, Cravando-lhe um punhal no velho peito. Ergue-se um dos vigias, Vem às pressas, De longe, liga a luz… Eis que o quarto se fez de todo iluminado E o salteador não foge, Sente-se preso à mão que se lhe estende, Contempla a vítima que o fita, Num transporte de amor com ternura infinita… Reconhece o semblante maternal E a desfazer-se em pranto, Ajoelha-se e grita: — “Mãe querida, Por que cheguei a tanto, A tanto crime e a tanto mal, A ponto de acabar com a sua própria vida?…” A dama retirou a lâmina cravada — Doloroso empecilho — O sangue gotejou da ferida formada, E, em seguida, exclamou: — “Ah! meu filho, meu filho!… Que saudades de ti, quanta saudade, O tempo parecia a eternidade!…” Entretanto, o vigia invadiu o aposento, Vendo um homem chorando e a dama em sofrimento, Quis gritar e reagir, austero e humano, Mas a senhora diz: — “Ouça, Germano, Meu filho regressou, venha reconhecê-lo… Na precipitação de meu antigo zelo, Feri-me por engano… Caí sobre o punhal que eu trazia no seio, No entanto, estou feliz… Olhe!…Meu filho veio… Dê-lhe as chaves da casa, Tudo o que tenho é dele, a minha própria vida…” E conservando a mão sobre a parte ferida, Rogou ao servidor: — “Chame o médico amigo, Transmita a ele tudo o que lhe digo E explique este acidente… Meu filhinho chegou tão de repente Para fazer-me esta surpresa, Que caí no punhal em que eu mantinha Ou supunha manter minha própria defesa… Estou feliz, Germano, mas agora…” O servidor gritou: — “Ah! não morra, senhora!…” Entretanto, mais fraca e mais cansada, A dama ainda falou, muito pálida e triste: — “Germano, ajude agora ao meu rapaz Compreendo que estou chegando ao fim, Sê a ele fiel, Dê a ele o respeito, a estima e a bondade Que você sempre deu a mim…” O filho ajoelhou-se, em pranto comovente, E clamava, ao beijá-la, ansiosamente, — “Mãe, perdoa-me e vive, mãe querida!… Entremostrando o anseio de falar, Ela, porém, lhe deu o último olhar, Deu-se, de todo, a isso, fez-se forte E descansou, por fim, dizendo, ao entregar-se à morte: — “Louvado seja Deus!… Deus te abençoe, meu filho!…” |