Dádivas de Amor

Capítulo XIX

Vila Esperança



Alegas, muita vez, alma querida:

— O tédio me entorpece e me consome a vida!…


Um erro na poltrona te desgosta,

Apaga-te o sorriso e deixa-te indisposta…


O marido, preso, por natureza,

Era um médico amigo da pobreza.


Houvesse algum enfermo em pequena palhoça…

Ei-lo, junto ao doente em plena roça…


Ele sofre e adoece, certo dia,

E roga à esposa, amparo e companhia.


Ela atende ao insólito pedido,

Enquanto ele se mostra surpreendido.


De um carro velho e forte, sem tardança,

Descem os dois ao chão, ante a Vila Esperança.


Ali, toda morada, é formada de zinco,

Alinhando-se em grupo, cinco a cinco.


Disse o esposo a ela:

— “Hoje, o trabalho aqui é teu recado…

Os doentes são teus… Ando muito cansado…”


Do casebre primeiro saem gemidos dos loucos…

Eis que o esposo explica:

— “É a Dona Flora, exaurindo-se aos poucos…


“Não mais resiste a pobre ao câncer que a devora

“Mas, para aliviar a angústia que a domina

“Temos na pasta que eu trouxe a injeção de morfina.”


Aplicada a injeção, ela vê três crianças

Junto à mulher sofrida, em choro continuado…

Ela fala ao marido, acerca de mudanças,

E acaba perguntando ao esposo intrigado:

— “O que comem aqui estas crianças nuas?”

O médico responde:— “O pão dado nas ruas.”

Ela aciona o carro e adquire cem pães,

Que distribui na praça, entre os filhos e as mães.


— “Moça, grita uma voz

De uma das casinholas escondidas —,

“Venha nos ver,

Somos pobres doentes desvalidas!…”

A dama entra no quarto

E lava-lhes as manchas e as feridas…

Anda de casa em casa.

Dá remédio às crianças com bronquite

E socorre aos enfermos,

Vítimas de hepatite…

De sentimento preso

Às dores que a detinham no lugar,

Oito horas gastou a lavar e a limpar.


De volta, eis que ela sente

O marido mais forte e mais contente…

Notou que o Cristo Amado estaria mais perto

E admitiu que a vida

Nunca mais lhe seria Desencanto e deserto…

Adentrou-se no lar, recordando a excursão

Que lhe alterara a mente, o caminho e a visão…


Ajoelhou-se em prece,

Pensando na penúria que encontrara.

Contemplou de uma fímbria da janela

A noite linda e clara…

Imaginou Jesus

Caminhando ao encontro da pobreza

E quase sem querer

Exclamou para os Céus:

— “Obrigada, Jesus, pela Vila Esperança

Que me falou do amor que não se cansa…

Agora, estou na paz que eu sempre quis.

A qualquer hora posso ser feliz!…

Obrigada, Jesus, por me ensinar

Que a Caridade é Luz e a Luz é trabalhar!…