Alegas, muita vez, alma querida: — O tédio me entorpece e me consome a vida!… Um erro na poltrona te desgosta, Apaga-te o sorriso e deixa-te indisposta… O marido, preso, por natureza, Era um médico amigo da pobreza. Houvesse algum enfermo em pequena palhoça… Ei-lo, junto ao doente em plena roça… Ele sofre e adoece, certo dia, E roga à esposa, amparo e companhia. Ela atende ao insólito pedido, Enquanto ele se mostra surpreendido. De um carro velho e forte, sem tardança, Descem os dois ao chão, ante a Vila Esperança. Ali, toda morada, é formada de zinco, Alinhando-se em grupo, cinco a cinco. Disse o esposo a ela: — “Hoje, o trabalho aqui é teu recado… Os doentes são teus… Ando muito cansado…” Do casebre primeiro saem gemidos dos loucos… Eis que o esposo explica: — “É a Dona Flora, exaurindo-se aos poucos… “Não mais resiste a pobre ao câncer que a devora “Mas, para aliviar a angústia que a domina “Temos na pasta que eu trouxe a injeção de morfina.” Aplicada a injeção, ela vê três crianças Junto à mulher sofrida, em choro continuado… Ela fala ao marido, acerca de mudanças, E acaba perguntando ao esposo intrigado: — “O que comem aqui estas crianças nuas?” O médico responde:— “O pão dado nas ruas.” Ela aciona o carro e adquire cem pães, Que distribui na praça, entre os filhos e as mães. — “Moça, grita uma voz De uma das casinholas escondidas —, “Venha nos ver, Somos pobres doentes desvalidas!…” A dama entra no quarto E lava-lhes as manchas e as feridas… Anda de casa em casa. Dá remédio às crianças com bronquite E socorre aos enfermos, Vítimas de hepatite… De sentimento preso Às dores que a detinham no lugar, Oito horas gastou a lavar e a limpar. De volta, eis que ela sente O marido mais forte e mais contente… Notou que o Cristo Amado estaria mais perto E admitiu que a vida Nunca mais lhe seria Desencanto e deserto… Adentrou-se no lar, recordando a excursão Que lhe alterara a mente, o caminho e a visão… Ajoelhou-se em prece, Pensando na penúria que encontrara. Contemplou de uma fímbria da janela A noite linda e clara… Imaginou Jesus Caminhando ao encontro da pobreza E quase sem querer Exclamou para os Céus: — “Obrigada, Jesus, pela Vila Esperança Que me falou do amor que não se cansa… Agora, estou na paz que eu sempre quis. A qualquer hora posso ser feliz!… Obrigada, Jesus, por me ensinar Que a Caridade é Luz e a Luz é trabalhar!… |