Depois da Travessia

Capítulo XXXVIII

Preparação laboriosa



17|05|1939


Meus filhos,

Que Jesus conceda a todos vós muita paz ao coração!

Se é justo que a nossa Julinha experimente o coração cheio de júbilo em vos vendo assinalar os passos terrestres na luz da crença consoladora do Espiritismo, eu também, embora tardiamente, participo dessas suaves alegrias do generoso espírito de minha filha. Sou eu, minha querida Aurélia, que pedi aos nossos mais elevados guias espirituais a doce satisfação de vir trazer-te, e ao teu companheiro de lutas terrenas, as boas-vindas em casa de Maria.

Eu, tão pobre de luz, minhas queridas, venho até ambas suplicando-vos a continuidade da fé, a continuidade de valor espiritual, em face dos numerosos preconceitos do mundo. Se muitos — como o meu pobre e imprevidente Espírito — se perdem pelo excessivo apego às opiniões alheias, as almas heroicas na crença conhecem a inutilidade de certos preceitos sociais absurdos que impedem a nossa visão espiritual, com respeito à contemplação de horizontes mais vastos.

Aqui, minhas queridas, se muito me desiludi, também muito expiei pela minha prisão nas futilidades da época em matéria de religião e de crença. A verdade é que a Igreja não nos prepara convenientemente para as realidades do além-túmulo. Depois do meu passamento, debalde clamei pela assistência dos chamados últimos sacramentos. Em vão pedi e supliquei, porque em volta de mim eu colocara a sombra espessa da incompreensão, sem a luz necessariamente vigilante para me livrar dos perigos que me envolviam o coração no domínio das ideias. Aqui venho colher o fruto amargo de minha imprevidência espiritual. Nos primeiros meses, foi em vão que implorava a presença dos nossos bem-amados que me haviam antecedido na jornada do sepulcro. Somente depois, muito depois, auxiliada pelas vibrações fraternas de alguns dos nossos familiares, consegui compreender a minha penosa situação. Nas primeiras vezes que enviei à Julinha as minhas palavras, não cheguei a narrar-lhe a intensidade dos meus padecimentos morais. Também não seria agradável que meus primeiros comunicados traduzissem tão somente queixas amargas e estéreis lamentações. Contudo, Julinha percebeu toda a minha posição espiritual nas entrelinhas. E hoje, mais aliviada das recordações penosas do mundo, venho até vós trazendo-vos a minha expressão amorosa e terna de outros tempos, atualmente, minha grande preocupação, não preciso esclarecer perante vós, minhas queridas. Quero referir-me à pobre Esther e à Maria Lydia, que, embora não fosse filha do meu sangue, foi uma filha para a minha alma, que sempre a amou, santamente.

Em voltando ao passado, pela imaginação, desejaria corrigir a minha feição educativa. Se pudesse fazê-lo, haveria de realizar todos os milagres de afeto, a fim de que ambas penetrassem por outros caminhos. Entretanto, eu estou como aquele “rico” da parábola de Jesus (Lc 16:19) e pouco ou nada posso fazer em beneficio de ambas. Ainda, há tempos, minha bondosa Aurélia fez indiretamente com que a Maria enviasse a Esther o meu pensamento maternal. Era uma das mais corajosas tentativas de minha alma, abusando da confiança amorosa da neta cheia de fé e de afeição. No entanto, todos os meus esforços foram baldados e sou obrigada a esperar para que o tempo, com sua esponja milagrosa, apague o mal que pratiquei consolidando as ilusões religiosas em corações que jamais poderei esquecer.

Se vos conto isso, filhas, não é tão-só para fazer uma confidência penosa de minha alma. Não haveria nisso um fim útil. Meu objetivo é de despertar no coração dos filhos presentes esse desejo cada vez mais intenso de progredir no terreno do conhecimento espiritual. Quanto a ti, Aurélia, Deus te abençoe os bons propósitos, fazendo com que as flores do teu carinho de esposa e de mãe frutifiquem a cem por uma. A vida terrena, minha filha, é essa para o Infinito. Prossegue no teu caminho de dedicações santificadas e puras! Sê a sentinela amorosa e consoladora do companheiro nobre que Deus te deu para a travessia do longo oceano das provações!

Ainda me lembro, querida, como Espírito, das preces que fiz por ti, nos dias do teu noivado, rogando a Jesus que não te faltasse com as realidades confortadoras do sonho caricioso de teu coração. Daqui todos nós temos amparado o coração de Aurélia nas lutas redentoras da existência em família. Querida, Julinha é bem um guia carinhoso e devotado para as aquisições espirituais nas estradas terrenas. Como mães, tendes o coração voltado para aquela que foi o lírio da piedade e do perdão, no amor mais puro. Como esposas, devotai-vos aos corações que estão algemados aos vossos, através de um laço imperecível.

Aurélia, minha querida, antes de me retirar eu quero te dizer que estamos te auxiliando em todos os teus esforços para bem realizares os teus planos de construção moral para o futuro na intimidade sacrossanta da família. Amigos abnegados do Plano invisível para os homens buscam amparar o teu Clóvis na estrada das mais nobres realizações dentro da vida e eu, como outras amizades tuas, estamos confiados na Providência Divina em beneficio de teu ideal quanto ao porvir.

À Julinha as minhas carinhosas lembranças, esperando que, junto da Engracinha, esteja produzindo o máximo de claridades para os nossos irmãos menos felizes. Aqui está presente uma amiga de nome Hermínia, que te agradece as preces em favor dela.

Meus filhos, Deus vos conceda muita paz de espírito! Não estranheis o meu tratamento por vós quando o tratamento por “vocês” seria mais suave e mais íntimo. De qualquer forma, porém, meus filhos, fiquem com a tranquilidade das bênçãos de Jesus e com o coração muito afetuoso da vovó, que muito necessita ainda de vossas preces,



Hermínia, de Ponta Grossa, Paraná, mãe de Borell, amigo de Ururaí, sobre os quais não nos foram dadas maiores informações.