As páginas de Cornélio Pires, enriquecidas com os seus apontamentos doutrinários, caro Professor, têm motivado interessantes comentários e solicitações.
Assim é que, em uma de nossas reuniões públicas, tendo O Livro dos Espíritos nos dado para estudo a questão 296, () e depois das explanações a respeito, por uma de nossas irmãs presentes, o nosso amigo Cornélio respondeu à carta de um companheiro que o consultou acerca do amor no Plano Espiritual, resposta que lhe enviamos desejando vê-la divulgada com os seus comentários.
— Sugerimos, a propósito, a consulta dos livros anteriores desta série: Chico Xavier Pede Licença, Na Era do Espírito, Astronautas do Além.
Recebi o seu pedido, Prezado amigo Antenor, Você deseja saber O que pensamos do amor. Falarei do amor terrestre, Não daquele que conduz Nossa vida e pensamento Para a união com Jesus. É verdade que não tenho Direito algum que me assista; Por isso, exponho a você Meu simples ponto de vista. Conforme acredito hoje, Nos pobres estudos meus, O amor na totalidade É a natureza de Deus. No entanto, pelo que vejo, Quanto ao que sinto e ao que faço, O amor é Deus em nós todos… Cada qual tem um pedaço. De tudo, porém, que amamos, Até quanto conhecemos, Quanto menos possessão Maior a porção que temos. O amor, quando chega, alcança Nossa vida rotineira, Parecendo o orvalho à noite, Quando cai na laranjeira. Mas é preciso cuidado Por dentro do coração. Toda afeição caprichosa Traz grande perturbação. Quando a pessoa faz isso, Lá se vai a luz do bem: Carinho vira paixão Que não dá paz a ninguém. Olhe a história de Quinota: Dizia adorar Lineu, Porque o moço quis a prima, A coitada enlouqueceu. Delfim perseguindo Joana Que, de fato, o não queria, Atirou sobre o pai dela E acertou Dona Maria. Joaquim namorava Zélia; A paixão nele era fogo… Quando viu Zélia doente, Colou-se à Tina Diogo. Antônia clamava sempre Que amava Zeca Vilaça, Mas Zeca perdeu as pernas E Antônia sumiu da praça. Recorde o que sucedeu Com Camilo Felisberto, Desprezado por Joaquina, Matou-se com tiro certo. O amor, na Terra, em verdade, Pode ter grande aconchego, Mas para viver em paz Não deve ter muito apego. O amor, enfim, vem de Deus, Mas se em nós vira paixão, Parece cousa de louco Ou trama de obsessão. |
O desapego é uma constante nas lições dos grandes mestres espirituais. E mesmo na vida terrena as pessoas sensatas e experientes compreendem os perigos do apego amoroso. Todas as escolas de Psicologia denunciam esses perigos e, desde os gregos até nós, os filósofos ensinam que a felicidade depende da nossa capacidade de libertar-nos do apego às coisas e aos seres. O ciúme é sintoma de apego e leva a desequilíbrios perigosos, podendo gerar doenças graves e acarretar crimes nefandos.
Lemos sempre nos jornais a expressão: “Matou por amor”. Mas a verdade é que o amor não mata, pois o amor é vida e não morte. O que mata é o ciúme, o apego amoroso, gerado por sentimentos inferiores de posse exclusivista da pessoa amada. Esses sentimentos são resquícios animais da espécie que racionalmente devemos expulsar de nós, ao invés de racionalmente aumentá-los, como em geral fazemos. Nossa imaginação pode levar os instintos animais a intensidade ameaçadoras, o que jamais ocorre nas espécies animais. Temos de aprender a amar sem apego.
Quando Cornélio escreve que “o amor na totalidade é a natureza de Deus”, () lembra-nos a afirmação de João, em seu Evangelho: “Deus é amor”. (1Jo
Toda a dinâmica da evolução espiritual se esclarece na simplicidade caipira desses versos. Deus está presente em nós pela nossa capacidade de amar, mas enquanto não superarmos o nosso egoísmo, que tudo quer com exclusividade, o amor permanecerá sufocado pela vaidade, o desejo e a ambição. Poderíamos perguntar: mas se o amor é o próprio Deus, por que ele não vence o nosso apego? A resposta é clara: porque amor é liberdade. O amor é Deus chamando-nos para a liberdade, convocando-nos ao desapego por nossa própria compreensão e decisão. Deus não nos ama com apego, mas com liberdade e por isso não quer impor-nos a compreensão do amor que devemos atingir por nós mesmos.