Diálogo dos Vivos

Capítulo XXV

Incêndio do edifício Joelma




Tão logo nos chegou pelo rádio a notícia do incêndio do Edifício Joelma, em São Paulo, reunimo-nos em prece, quatro amigos, solicitando auxílio dos Benfeitores Espirituais para as vítimas do aflitivo acidente. O nosso Emmanuel atendeu-nos e escreveu a prece que lhe envio. É uma oração sem título, simplesmente oração.

Tenho a certeza de que, se houvesse título, ele seria escrito com as nossas próprias lágrimas.

Até hoje, sob a forte impressão do incêndio do Edifício Andraus que acompanhamos pessoalmente em fevereiro de 1972, o triste acontecimento nos dói profundamente no coração. Por isso, na ideia de que a prece do nosso benfeitor Emmanuel possa confortar algum coração amigo, mais diretamente atingido pela dolorosa provação coletiva que a todos nos fere, enviamo-la à sua atenção. Deus nos fortaleça e abençoe a todos.


Nota da Editora — Recebida em reunião íntima realizada no dia 1.° de fevereiro de 1974, data em que ocorreu o incêndio no Edifício Joelma.




Auxilia-nos, perante os companheiros impelidos à desencarnação violenta, por força das provas redentoras.

Sabemos que nós mesmos, antes do berço terrestre, suplicamos das Leis Divinas as medidas que nos atendam às exigências do refazimento espiritual. Entretanto, Senhor, tão encharcados de lágrimas se nos revelam, por vezes, os caminhos do mundo, que nada mais conseguimos realizar, nesses instantes, senão pedir-te socorro para atravessá-los de ânimo firme.

Resguarda em tua assistência compassiva todos os nossos irmãos surpreendidos pela morte, em plena floração de trabalho e de esperança e acende-lhes nos corações, aturdidos de espanto e retalhados de sofrimento, a luz divina da imortalidade oculta neles próprios, a fim de que a mente se lhes distancie do quadro de agonia ou desespero, transferindo-se para a visão da vida imperecível.

Não ignoramos que colocas o lenitivo da misericórdia sobre todos os processos da justiça, mas tocados pela dor dos corações que ficam na Terra — tantos deles tateando a lousa ou investigando o silêncio, entre o pranto e o vazio — aqui estamos a rogar-te alívio e proteção para cada um!… Dá-lhes a saber, em qualquer recanto de fé ou pensamento a que se acolham, que é preciso nos levantemos de nossas próprias inquietações e perplexidades, a cada dia, para continuar e recomeçar, sustentar e valorizar as lutas de nossa evolução e aperfeiçoamento, no rumo da Vida Maior que a todos nos aguarda, nos planos da União Sem Adeus.

E, enquanto o buril da provação esculpe na pedra de nossas dificuldades, conquanto as nossas lágrimas, novas formas de equilíbrio e rearmonização, embelezamento e progresso, engrandece em teu amor aqueles que entrelaçam providências no amparo aos companheiros ilhados na angústia. Agradecemos, ainda, a compreensão e a bondade que nos concedes em todos os irmãos nossos que estendem os braços, cooperando na extinção das chamas da morte; que oferecem o próprio sangue aos que desfalecem de exaustão; que umedecem com o bálsamo do leite e da água pura os lábios e as gargantas ressequidas que emergem de tumulto de cinza e sombra; que socorrem os feridos e mutilados para que se restaurem; e os que pronunciam palavras de entendimento e paz, amor e esperança, extinguindo a violência no nascedouro!…

Senhor Jesus!…

Confiamos em ti e, ao entregarmo-nos em Tuas mãos, ensina-nos a reconhecer que fazes o melhor ou permites se faça constantemente o melhor em nós e por nós, hoje e sempre.




As provas coletivas, profundamente dolorosas, como a do incêndio do Edifício Joelma, constituem enigma insolúvel para os que creem em Deus mas não conhecem os princípios da sua Justiça Divina. Diante da tragédia absurda o coração vacila e muitas vezes a fé desmorona. Como pode Deus castigar assim as criaturas humanas ou até mesmo permitir ocorrências dessa espécie? Não há argumentos que possam acalmar a revolta dos que perderam entes queridos.

Mas a prece de Emmanuel começa por uma referência a “provas redentoras”. () E a seguir nos lembra que nós mesmos, ao reencarnar na Terra, suplicamos às leis divinas as medidas de que necessitamos. () Assim, orando a Jesus, Emmanuel nos envia também a mensagem esclarecedora sobre as razões ocultas da tragédia.

Cada criatura humana se define como personalidade pela sua consciência. Graças à consciência, a individualização humana nos separa da individualização animal e nos confere a dignidade espiritual. Conscientes do que somos e do que fazemos, somos naturalmente responsáveis pelos nossos atos. Essa responsabilidade se acentua quando o espírito, livre da ilusão da matéria, se defronta com a realidade no mundo espiritual. É então que pede para voltar à Terra numa reencarnação de provas redentoras, submetendo-se aos mesmos suplícios que infligiu a outros em vidas anteriores.

Quem conhece a História da Humanidade sabe de quantos horrores ela se constitui. O egoísmo humano, a ganância, a sede de poder, a arrogância desmedida dos homens — não obstante a natureza passageira da vida terrena — levaram-nos a muitos desvarios por mares e terras do planeta. Agora, numa fase decisiva da evolução terrena, muitos Espíritos anseiam por aliviar sua consciência dos crimes do passado, preparando-se assim para experiências mais altas no mundo melhor que vai nascer.

Há quem se revolte à ideia de que uma criatura querida tenha praticado crimes em vida anterior. Mas a verdade é que somos todos, sem distinção, espíritos endividados com a nossa própria consciência. Nada devemos a Deus, que nada nos cobra, mas tudo devemos a nós mesmos. A natureza divina do espírito se revela nas leis de justiça da consciência. E é por esse tribunal secreto, instalado em nós mesmos; que nos condenamos a suplícios redentores. A tragédia passageira resulta em benefícios espirituais na vida sem limites que nos aguarda além-túmulo.