“Então vieram de Jerusalém a Jesus alguns fariseus e escribas e perguntaram-lhe: Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? pois não lavam as mãos quando comem pão. Respondeu-lhes: E vós, por que transgredis o mandamento de Deus por causa da vossa tradição: Pois Deus disse: Honra a teu pai e a tua mãe, e também: Quem maldisser a seu pai ou a sua mãe, seja morto; mas vós ensinais: Aquilo que eu te poderia dar já ofereci a Deus; o tal não precisará mais honrar a seu pai nem a sua mãe. Assim invalidais a Palavra de Deus por causa da vossa tradição. "
A pretensão e o orgulho religioso se têm revoltado em todos os tempos contra os princípios fundamentais da Religião, substituindo o mandamento pela tradição.
Essa obra nefasta do farisaísmo se vai eternizando a ponto de chegarmos ao esquecimento das coisas divinas, como acontece em nosso século.
O homem tradicionalista não conhece absolutamente a Religião. Preso aos dogmas e preceitos humanos, limita-se ao culto exterior, deixando o interior cheio de rapina e podridão.
Eis o maior dos pecados: comer o pão sem lavar as mãos. Ontem, como hoje, não era pecado comer o pão com o suor alheio, mas quem chegasse a comê-lo sem “lavar as mãos", cometia crime de lesadivindade!
Estando de mãos limpas, bem lavadas com sabonete fino, todos podem tomar parte na “mesa da comunhão", certos de que dali sairão limpos de pecados.
Os figurões já sabem disso: lavam as mãos, ornam as igrejas com imagens e lanternetas; e os pobres que passem fome, os enfermos que se lamentem, os desprotegidos da sorte que chorem!
Desde que as capelas estejam ornadas, as imagens bem vestidas, os altares dourados e os sinos bimbalhando, apresentando-se o culto com vida, pereçam os pobres na sua nudez, gritem os sofredores, conserve-se frio e sem lume o fogão dos infelizes!
Obedecida a tradição, que importa o mandamento!
O mandamento é de Deus e Deus não se vê; a tradição é dos homens e ai estão os homens guardando a tradição, “tesouro" que lhes legaram seus pais e avós!
Não é isso o que se observa em toda parte! Onde estão os hospitais, os asilos, as escolas para as crianças órfãs?
E aqueles que ainda se vêem, com que descaso são mantidos, e como são dirigidos!
Não há dúvidas de que há absoluta paridade entre a época atual e aquela em que Jesus veio ao mundo.
Os mesmos escribas e fariseus de outrora se manifestam hoje, e de modo, parece, ainda mais impreterito que os de então.
Em todas as classes sociais a perversão de caráter se salienta de maneira tão nojenta que é preciso andar no mundo sem ser do mundo, para se poder fazer alguma coisa em proveito próprio.
Fariseus surgem de todos os lados com perguntas insidiosas; escribas pervertidos desnaturam a missão da Imprensa; falsos profetas e obreiros fraudulentos especulam com as coisas mais santas, levando a confusão aos lares e às sociedades) Decididamente não se vê mais que tradição — mãos lavadas!
A Misericórdia não mais alimenta os corações e a Fé há muito não aquece as almas com a sua chama vivificadora. Atualmente, o que se vê são holocaustos e sacrifícios, e a palavra de Deus invalidada por causa da tradição.
Os ensinos de Jesus permanecem encerrados por aqueles que se dizem seus representantes, para que a tradição continue a vigorar e os mandamentos das Igrejas não sejam absorvidos pelos mandamentos de Deus.
O culto não é dado ao Criador, como o Espírito ensinou a Abraão, a Moisés e pelos lábios de Jesus, mas à criatura, contra os preceitos do Decálogo e os ensinos cristãos, tão esquecidos em nossa época.
Entretanto, tenhamos fé, nem tudo está perdido. Quando o Sol se esconde no poente e a Terra é envolvida no manto de trevas, tudo parece caos, confusão, mas, daí a pouco surge a alvorada e o mesmo Sol ilumina o mundo e dá-lhe vida.
Tenhamos fé: a uma época de miséria sucede outra de fartura, assim como às seis vacas gordas sucederam as magras, e as espigas bem granadas vieram substituir as chochas.