Emmanuel

Capítulo XVIII

A Europa moderna em face do Evangelho



É inegável a importância da tarefa dos europeus, impulsando o progresso dos outros continentes do planeta. Foi a sua grandiosa civilização, cujos primórdios o cristianismo alimentou com a rica substancialidade dos seus ideais que renovou as atividades científicas e industriais dos povos do Oriente, inaugurando, ainda, nas terras americanas, uma vida nova, não obstante as atrocidades execráveis praticadas pelos conquistadores, para submeterem o elemento indígena.

Com exceção das doutrinas filosóficas, que a civilização ocidental não poderia oferecer, com uma substância superior, aos povos orientais, de vez que a obra cristã se encontrou sempre deturpada desde a sua união com as forças políticas do Estado, foram os europeus que instituíram, com a sua imaginação criadora, um surto novo de progresso para as fontes da cultura humana. Os seus esforços são inapreciáveis; suas atividades, grandiosas, nesse movimento de inventar as comodidades da civilização e as utilidades dos povos. Todavia, espiritualmente, os povos europeus cometeram o erro terrível de perturbar a evolução do Cristianismo, assimilando-o às obsoletas concepções da mitologia grega e às velhas tradições de imperialismo dos patrícios de Roma, de cujo confusionismo nasceu a doutrina católico-romana, em perfeita oposição ao ideal da simplicidade cristã.



É ociosa qualquer referência à falsa posição dessa igreja, que se mantém no mundo atual ao preço da ignorância de uns e do interesse condenável de outros, vivendo a existência transitória das organizações políticas.

Compete aos estudiosos somente a análise comparativa dos tempos, tentando, com os seus esforços, operar a regeneração das sociedades, procurando salvar da destruição tudo o que possa beneficiar os Espíritos no seu aprendizado sobre a face da Terra Todavia, apesar de nossas atividades conjugadas com as de todos os homens de boa vontade que aí representam os instrumentos sadios da vontade do Alto, no sentido de preservar do arrasamento o patrimônio de conquistas úteis da Humanidade, não é possível criar-se um obstáculo às grandes dores que, inevitavelmente terão de promover o movimento expiatório dos indivíduos e das coletividades onde as criaturas mergulharão a alma no batismo de purificação pelo sofrimento.



Aventam-se todas as hipóteses com o objetivo de verificar-se na Europa, eixo das atividades políticas do mundo, um grande movimento de unificação e de paz, chegando-se à tentativa de uma frente única europeia, para evitar a queda irremediável da civilização do Ocidente. Essa frente única é, porém, impossível. Não existe ali a unidade espiritual necessária à consecução desse grandioso projeto. Apenas o Cristianismo, se não fossem os desvios lamentáveis da Igreja Romana, poderia fornecer essa intangibilidade de fé a todos os Espíritos. Mas, a obra cristã ali se encontra virtualmente degenerada. E, em virtude de semelhantes desequilíbrios, todos os ideais antifraternos foram desenvolvidos no Velho Mundo, intensificando-se o regime de separatividade entre as nações. Cada país europeu procura insular-se da comunidade continental e somente o pacto de Versalhes e o instituto genebrino representam, com a sua atuação, essa trégua de 18 anos, depois do conflito de 1914; contudo, esses dois diques, que impediam os movimentos armados, sem, aliás, obstar-lhes a preparação, têm as suas influências anuladas. O Tratado de Versalhes caiu com as deliberações políticas do novo Reich e a Liga das Nações compreendeu a inaplicabilidade do seu estatuto, no momento decisivo da campanha italiana na Abissínia.



Todos os povos entenderam bem essas profundas desilusões. Procura-se a paz na corrida aos armamentos. Mais de 100.000 homens mecanizados estão preparados no velho continente, só para a ofensiva do ar. Busca-se a todo transe uma solução para os problemas da guerra. Uma reforma visceral nos estatutos da Sociedade de Genebra é inutilmente sugerida. Estuda-se a possibilidade de um acordo entre a França e a Itália, no sentido de assegurar-se a paz continental, atendendo-se às necessidades da região danubiana e equilibrando a Alemanha com o resto da Europa. Tenta-se a colaboração de todos os gabinetes. Os partidos iniciam a guerra das ideologias. Mas a Europa, nos seus conflitos inquietantes, conhece perfeitamente a sua condenação à guerra.



A ilação dolorosa que se pode extrair da situação atual é a de que essas sociedades foram edificadas à revelia do Evangelho, necessitando as suas bases de mais profundas transformações. Fundadas com o rótulo de Cristianismo, elas não o conheceram. À sombra do Deus antropomórfico que criaram para as suas comodidades, inverteram todas as lições do Salvador, em cujo ideal de fraternidade e pureza asseveraram progredir e viver. Distanciadas, porém, como se encontram, de uma identidade perfeita com os estatutos evangélicos, as sociedades europeias sucumbem sob o peso da sua opulência miserável. Suas fontes de cultura acham-se visceralmente envenenadas com as suas descobertas e ciências, que são recursos macabros para a destruição e para a morte. Não existe, ali, nenhuma unidade espiritual, à base do espírito religioso, mantenedora do progresso coletivo.

Como poderá persistir de pé uma civilização dessa natureza, se todos os seus trabalhos objetivam o extermínio dos mais fracos, estabelecendo o condenável critério da força? O Ocidente terá de conhecer uma vida nova. Um sopro admirável de verdades há de confundir os seus erros seculares. As sociedades edificadas na pilhagem hão de purificar-se, inaugurando o seu novo regime à base da lição fraterna de Jesus.

Esperemos, confiantes, a alvorada luminosa que se aproxima, porque, depois das grandes sombras e das grandes dores que envolverão a face da Terra, o Evangelho há de criar, no mundo inteiro, a verdadeira Cristandade.