ENTRE DUAS VIDAS

Capítulo II

Napoleão Carlos Ferreira



Meu pai, abençoe-me, juntamente de mamãe, pedindo eu a Deus nos proteja.

Sou trazido até aqui e escrevo como um doente que ainda não consegue ajustar as próprias ideias para rogar-lhes conformação.

Papai, as suas ideias chegam aos meu ouvidos. É como se o senhor estivesse gritando e por isso ainda não pude encontrar o repouso de que necessito para me refazer.

Creia, meu pai. Nós todos somos de Deus e estamos nas mãos de Deus, se posso dizer assim em me referindo à Providência Divina.

O que aconteceu a seu filho devia acontecer. Estudarei isso aqui para, mais tarde, explicar-me com mais segurança. Não culpe a ninguém.

Meu companheiro de viagem é um bom rapaz. Se tivemos a provação de estar juntos, é porque isso era indispensável. Não pense que vínhamos sem cuidado. Tudo certo.

Mas, em verdade, papai, quem pode prever que manobra será a dos outros nos caminho sem que estejamos guiando corretamente um carro? E mesmo que a pessoa seja correta e segura, quem pode garantir a posição dos freios em máquinas dessas que hoje nos favorecem qualquer viagem?

Quando acordei, não compreendia cousa alguma. O veículo me impusera um movimento brusco e somente depois vim a saber que havia sofrido fratura na base do crânio.

Estou em tratamento. Daquele 22-23 de maio para cá, o tempo é muito curto. Sou trazido aqui para que o senhor não enlouqueça de sofrimento. Lembre-se de mamãe, de Sandra, de Nora e de todos os nossos que precisam de sua presença. Acalme-se para que seu filho consiga descansar. Ajude-me. O senhor foi sempre o meu melhor e maior amigo.

Agora, contarei ainda com a sua proteção e com o seu carinho para sentir-me mais forte. Reze, meu pai, como vem fazendo a mamãe. A oração é um calmante. Ampare-me.

O senhor queria que eu ficasse para cumprirmos os nossos planos para o futuro, mas Deus, papai, fez o melhor para nós.

Eu estaria muito triste se houvesse cometido um crime em desacordo com os ensinamentos e exemplos que recebi de sua vida, constantemente, mas, graças a Deus, voltei para cá de consciência tranquila.

Se pudesse, teria permanecido em sua companhia e na companhia de mamãe; no entanto, as razões da Vida Espiritual devem ser respeitadas.

Nada sei ainda senão que sofro, escutando os seus pensamentos agitados. Não guarde revolta, meu pai! Aceitemos a Lei de Deus.

Prometo, quando souber os motivos pelos quais devia fazer aquela viagem a Pirenópolis para me despedir do corpo físico, eu contarei.

Por agora, peço calma e paciência, e, sobretudo, a cessação de qualquer pensamento de suspeita sobre o companheiro que tudo teria feito para salvar-me a vida.

O tempo passa. O senhor e mamãe não me perderam. Aqui, a vida continua e quando tudo estiver rearmonizado, voltarei para cooperar com o senhor em todo o trabalho que Deus nos deu para fazer.

Perdoe-me se não atendi à sua prudência, quando me falou sobre a inconveniência do passeio. Não foi rebeldia, nem desobediência ao seu carinho. Julguei que tudo daria certo, mas deu certo de outra maneira, da maneira que as Leis Divinas julgaram como sendo a mais justa.

Estou cansado de escrever. Não consigo continuar. Peço-lhe com lágrimas para viver e ficar tranquilo. Lágrimas de emoção e confiança pela oportunidade de falar escrevendo.

O vovô Ferreira, seu avô e amigo de nós todos, está comigo. Com ele, muita gente boa está me amparando. Apenas eu não posso grafar as minhas ideias com a clareza e a segurança que desejava.

Venho só para pedir-lhe o socorro de sua conformação e de sua paz que me devolverão o equilíbrio e a harmonia de que estou precisando.

Não se aflija com a observação de Tia Leda. Eu trazia comigo no carro uma rosa amarela e queria dizer que não desejava ver os meus queridos familiares plantando angústia no coração, mas estava com tanta dificuldade para me exprimir, como me sinto agora.

Papai, mamãe, compadeçam-se de mim e não chorem mais. Ajudem-me. Preciso muito da calma de todos.

Agradeço o carinho dos nossos amigos daqui e daí que nos guiaram para este encontro. Até mais tarde, papai.

Com o senhor e com a mamãe, e também com as meninas, o coração. Sou o seu filho reconhecido,


(Uberaba, 7 de julho de 1972)



Como todas as mensagens espirituais, a de Napoleão Carlos Ferreira dá-nos bastante o que pensar, especialmente numa ocorrência muito comum: quando alguém desencarna em situação considerada trágica do ponto de vista humano, os familiares da chamada vítima costumam formular aflitivas indagações, quais sejam: “— Por que fulano e não meu filho?” — “Por que semelhante provação para nós e não para os outros?” — “Fulano estaria abusando da velocidade e meu filho é que foi morrer na flor dos anos?” — “Fulano machucar somente o rosto, e meu filho nesse estado e, ainda para completar, morto?”

A mensagem de Napoleão, desenhista profissional que trabalhava na SABE, em Brasília, acadêmico de Comunicação (1º ano da CEUB), nascido em Uberaba, Minas, à Rua Marechal Deodoro, em 15 de fevereiro de 1949, e desencarnado em desastre automobilístico, na Cidade Livre, em Brasília, Distrito Federal, no dia 22 de maio de 1972, filho do Sr. José Carlos Ferreira e de D. Fidalba Mariana Ferreira, a mensagem de Napoleão, repetimos, dá o que pensar nesse sentido.

Ninguém é culpado, evidentemente, de sair ileso num desastre, por mais violento que seja.

Tudo é regido por Leis Superiores da Vida. Certamente, porém, segundo nos ensina a Doutrina Espírita, o companheiro de viagem, em existência anterior, participou da operação traumatizante que, finalmente, levou a chamada vítima a pedir, antes de retornar à Terra, um tipo de desencarnação violenta para pagamento de dívida cármica.

Ambos conseguem ressarcir seus débitos. O que vai para a Espiritualidade, naturalmente com maior teor de complexo de culpa ou remorso enraizado na intimidade do inconsciente, com o tempo, reconhece que a experiência foi por demais chocante, mas por isso mesmo abençoada. E o que fica no Plano Físico guardando a lembrança do ocorrido, terá, também, ressarcido seu quinhão de débito, perante a Lei de Causa e Efeito, ante o trauma experimentado.

Vovô Ferreira, da mensagem é o Sr. Segismundo Carlos Ferreira, que era conhecido por Mundão, desencarnado há 14 anos.

Tia Leda relatou-nos que dias antes de vir a Uberaba, tivera uma espécie de sonho-desdobramento em que via Napoleão caminhando para o seu lado com um buquê de flores amarelas, às quais o comunicante se refere na página mediúnica.

Fato admirável, e com o qual nos ocuparemos em outro livro, é que Napoleão, na própria sexta-feira em que saiu para não mais voltar, desenhou, por brincadeira e/ou passatempo, uma paisagem, a lápis, em que aparece uma lápide e árvores, — exatamente o local onde foi sepultado, posteriormente, em Brasília —, confirmando as experiências de Kotkov, Goodman, Berman, Leffel, Meyer, Brown, Levine. K. Machover e L. Bender, sobre a projeção da imagem do próprio corpo em muitos pacientes nos desenhos de autoria deles mesmos quanto à perda de um membro ou de determinado órgão dos sentidos, com relação às condições orgânicas deles próprios.

Que todos os pais e mães da Terra meditem sobre este trecho antológico da mensagem endereçada ao genitor: “Eu estaria muito triste se houvesse cometido um crime em desacordo com os ensinamentos e exemplos que recebi de sua vida, constantemente, mas, graças a Deus, voltei para cá de consciência tranquila.”




Veja-se, a título de ilustração, Dinah Martins de Souza Campos, , Editora Vozes Limitada, Petrópolis, RJ, 2ª edição, 1969, pp. 16-17.