ENTRE DUAS VIDAS

Capítulo IV

Lúcia Ferreira



Querida mamãe, estou pedindo o seu perdão e a sua bênção.

Mais de um ano passou, mas a minha saudade e o meu sofrimento ainda não passaram.

Não chore mais, mãezinha. Sei que a minha ingratidão foi grande demais. Compreendi tudo, mas era tarde.

Creia que amanheci naquela terça-feira, quatro de maio, pensando em descobrir como iria encontrar um presente para o seu carinho no Dia das Mães.

Pensava nas aulas, em minha professora Juvercídia e procurava concentrar-me nos livros para estudar; entretanto, quando vi o veneno, uma força estranha me tomou o pensamento.

Avancei para o suicídio quase sem conhecimento, embora muitas vezes não ocultasse o desejo de morrer. Tudo sem motivo, sem base.

A senhora me deu tudo — amor, segurança, tranquilidade, proteção. Não julgue que me faltasse isso ou aquilo.

O que eu sentia era uma tristeza que só aqui, no Plano Espiritual, vim a entender… O assunto é tão longo e o tempo é tão curto.

Se pudesse, desejava formar as minhas letras com lágrimas para que a senhora me perdoasse pelo arrependimento que trago.

Não sei, mamãe, não sei ainda. A princípio, me vi numa nuvem com a garganta em fogo e uma dor que não parecia ter fim.

Talvez exagerasse as cousas que eu sentia, talvez guardasse impressões da vida que eu não devia guardar.

O que é mais doloroso é que provoquei a morte do corpo, sem razão.

Sofrimentos no mundo são problemas de todos. E por isso quando me vi na sombra que me envolvia toda, vozes me perguntavam porque, porque fizera aquilo se eu estava consciente de que a morte não mata ninguém…

Chorei muito, mais do que choro hoje, até que me vi no regaço de uma senhora que me disse ser a vovó Ana. Ela me ensinou a orar de novo, porque a dor não me deixava trabalhar com a memória. Amparou-me e como que me limpou os olhos para que eu enxergasse a luz do dia. Então reconheci que as trevas estavam em mim e não fora de mim.

Fui internada numa escola-hospital, onde muitas crianças estão sob a vigilância daquele amigo que nos deu nome à casa de ensino Jerônimo Carlos Prado, — e com a bênção dos muitos amigos que encontrei aqui, vou melhorando.

Faltava-me vir até o seu coração e rogar a sua tolerância de mãe. Venho pedir-lhe para que não deseje morrer. Viva, mamãe, e viva tranquila.

As lutas da vida são lições. Creio saber que a senhora já sofreu muito. Sofra agora com a sua filha a pena de não ter sabido esperar.

Para mim, a sua paz será a minha paz. Nós duas éramos as companheiras uma da outra.

Sei que Teodoro, Divino, Adelícia e os outros corações queridos são todos seus filhos abençoados, mas eu, mamãe, não sei porque, fiquei aflita para que o tempo passasse e caí pela rebeldia.

Não soube guardar a fé, mas a sua bondade fará o que não fiz. Terá a senhora paciência bastante para tudo tolerar e compreender.

Agradeço as suas preces e as orações das amiguinhas que não me esqueceram. Agradeça por mim a Santa Terezinha e a todas as irmãs o amparo que me enviaram e ainda me enviam.

Por enquanto, trago comigo a faculdade de ouvir todas as repreensões e queixas, perguntas e comentários em torno de mim.

E, particularmente, ouço a senhora constantemente a falar que perdeu o gosto de continuar a viver. Ajude-me. Não pense assim. Dê-me os seus pensamentos de paz e de alegria.

Preciso de você, mamãe, como a senhora não pode imaginar.

Aqui é um lugar que pode ser distante, mas há um processo de intercâmbio, pelo qual ainda estamos juntas. Ampare-me, amparando a senhora mesma.

Os Benfeitores daqui me aliviam e me abençoam, mas estou nas dificuldades que criei. Deus, porém, nos sustentará para que, um dia, eu possa ser útil ao seu carinho.

Mamãe, receba o meu coração de filha faltosa e abençoe-me. Sua paciência e seu amor são bênçãos que chegam até aqui.

Ore por sua filha e compadeça-se. Amanhã, serei melhor. Até lá, preciso de você e de seu amparo, como o faminto sente necessidade de pão.

Não posso escrever mais. Os amigos que me socorrem e guiam me dizem que é preciso terminar.

Mãezinha, ame-me ainda. Sou mais necessitada agora do que antes. E guarde o coração de sua filha faltosa e reconhecida,


(Uberaba, 12 de junho de 1972)



Lúcia Ferreira, batizada com o nome de Leida Lúcia, segundo sua genitora, D. Adelaide Gervásio dos Reis, presente à reunião da noite de 12-6-1972, nasceu em Monte Alegre de Minas, a 23 de maio de 1955 e desencarnou no dia 4 de maio de 1971, em Vicentinópolis, ex-Paletó, Estado de Goiás, pequena vila, município de Pontalina.

Conta-nos D. Adelaide que criou os filhos Teodoro, Elviro (doente mental, desencarnado em Uberaba, em 1955, após internamento em hospital psiquiátrico), Maria, Adelícia, Emília, Eurípedes e Lúcia “agarrada ao cabo de uma enxada”; que Lúcia sofria alucinações visuais e auditivas e, com nove anos de idade, “foi incorporada pelo espírito do irmão Elviro (sic)”, sendo sempre nervosa, mas muito estimada; que cursava o terceiro ano primário e havia sido convidada para ser novenária no dia 8 das festas que se realizaram de 30 de abril a 9 de maio de 1971, em Vicentinópolis, festas de São Sebastião e São Vicente; que ia comprar o vestido para as festividades, mas resolveu comprar o tóxico que a levou do corpo, um inseticida de largo uso nos meios agropecuários, nada deixando escrito.

D. Adelaide, dentro de sua humildade, não havia revelado o fato a ninguém e, durante todo o tempo da sessão habitual da Comunhão Espírita Cristã, limitou-se a ouvir e a ouvir e, num mutismo completo, que só rompeu em pranto, quando ouviu as palavras iniciais da mensagem: “Querida mamãe, estou aqui pedindo o seu perdão e a sua bênção”, palavras que só poderiam ser de sua filha, já que em pensamento pedira a Deus que lhe trouxesse a prova de que Deus existe e a sua filha também, mesmo depois de ingerir dose mortal de veneno.

Com lágrimas nos olhos, servindo-se de sua linguagem característica, D. Adelaide não se cansava de repetir:

— “Que Deus abençoe a mediunidade de Chico Xavier! Que Deus abençoe Allan Kardec e Chico Xavier!”