Enxugando Lágrimas

Capítulo XIV

“Estou na condição do canário que esteve na gaiola e foi solto”



“Veia” querida, minha querida Dona Augustinha, peço a sua bênção, de coração renovado na esperança e na paz nova que você me deu.

É isso aí. Porteira aberta, campeiro a caminho de casa. Mas venho à casa de seu carinho para agradecer ao seu devotamento pelo muito que recebi.

Desde que você aceitou o meu pedido de perdão para o amigo que não esperava de nós outra atitude, minha vida mudou. Estou na condição do canário que esteve na gaiola e foi solto. A sua compreensão quebrou os fechos de arame e pude respirar mais alto.

Mãe, é tão difícil fazer isso. Aqui, é quase o aí que conhecemos. As lutas são muito parecidas, quase as mesmas.

Ressentimento e ódio criam perturbações e doenças e as moléstias e os desequilíbrios se verificam muito mais na alma que no corpo. Agora é que compreendo o que falava você em torno da obsessão. Isso é uma espécie de corda imantada, corda de aço, enrolando os Espíritos no mesmo drama de angústia.

A cura vem do entendimento. E o entendimento nos aponta os outros como filhos de Deus, sejam esses outros quem sejam. Os que amamos são filhos de Deus e os que ainda temos dificuldades de amar, são igualmente filhos do Criador. E é melhor aprender a amar aos que ainda não amamos aí mesmo, nas tricas do mundo, que esperar fazer isso depois da morte, quando os encontros são muito improváveis.

Fale com o Mário Lúcio de minha alegria, de minha imensa alegria. Graças a Deus ficamos livres de nós mesmos, livres dos sentimentos que poderíamos abrigar indebitamente.

Aqui, tenho visto o que não esperava. Caras procurando inimigos que desapareceram em outras faixas da vida para se sentirem libertos das mumunhas que adquiriram.

Por aí, botamos banca a qualquer hora para sermos os companheiros da superioridade, quando um dia virá em que saberemos curvar o pescoço para rogar desculpas por palavras e atitudes impensadas.

Creia, “Veia”, que estou aprendendo. Aí, ao seu lado, eu escutava seus casos, guardava as suas saudades de meu pai Gastão e parecia levar tudo a sério, mas no fundo, eu perguntava: “Será que os espíritas estão com a verdade ou com a palavra furada com alfinetes de ouro?”

A dúvida ficava boiando na cuca e eu acabava limpando a poeira das conversas compridas e passava por cima. Entretanto, o negócio é realidade que não se discute. E acabei reconhecendo que é preciso ser firme para não cair em moleza. Pra frente com o trabalho do bem, é o melhor que eu trouxe. E trouxe essa bandeira das suas mãos de mãe e viúva e amiga, mãe de seus filhos e dos filhos alheios.

Olhe que o seu esforço não tem sido mambembe. Felicito agora a você por isso, sem a ideia de paparicar. Nós dois sabemos que é preciso enfrentar os freios do mundo, para não ser marginalizado em bobagem com perda de tempo.

Estou também muito admirado com o nosso Eduardo. O rapaz tem qualquer cousa do nome “é do ar”, porque tanto quer ser aviador em Brasília quanto em São Paulo, tanto no Brasil de Porto Alegre quanto em Miami dos Estados Unidos. Mas você, “Veia”, não esquente a cabeça. Deixe o menino agir como deseja. Cada qual nasceu para trilhar certos caminhos. Respeitemos nosso Eduardo e que ele me perdoe a brincadeira.

O que vejo é que não será justo desvincular você de Ângela e Márcia, do Mário Lúcio e do Luiz Antônio, com os pequenos que esperam tanto de sua experiência e de seu amor.

O mundo vai virando por si mesmo, mas não podemos virar a nossa cabeça fora de nossos compromissos com a ideia que abraçamos em seu caso, a Doutrina Espírita com o trabalho bendito que ela nos oferece.

Sou também cliente de suas faculdades e do doente do seu gabinete de cura espiritual. E estou recebendo de suas mãos, os ingredientes precisos para trabalhar e atuar em muitos grupinhos e patotas daqui, na intimidade dos quais a erva mágica, representada por vários modos, fazem loucos que a Terra não pode ainda conhecer.

E não se renuncia ao dever de ajudar. Tenho feito o que posso e posso afirmar a você, que os seus apontamentos não foram inúteis em seu filho Henrique.

Mamãe, a luta é gigantesca e ainda que possamos parecer formigas querendo sustar uma tempestade, continuemos servindo e agindo.

Peço a você dizer ao Ricardo do Juarez que o Júnior está aqui com a proteção de Dona Alice e que nem ele, Ricardo, e nem qualquer dos outros amigos nossos estão esquecidos.

Oscar, Jurandir e Guimarães, aqui comigo, pedem para dizer que não se desinteressam dos pais Aiki e Tamiko, Geraldo e Dona Guilhermina, e os demais. É muita gente para recordarmos de uma vez só.

Às vezes, a cabeça cansa e os nomes da Terra somem da imaginação. Não sei explicar isso. Notava, porém, aí, que qualquer brasileiro, quando voltava de outro país, mostrava certa dificuldade de pensar e falar em português ao mesmo tempo, quando a ausência fosse longa.

Aqui, por exemplo, temos amigos que vejo sem grande conhecimento anterior que estimariam encontrar em mim, o “Chapelin do Além”, como alguém me apelidou em nossa querida Goiânia, e desejam que eu transmita notícias sem que eu consiga obedecer ao anseio de todos, quanto desejo.

Mas, não posso deixar de dizer aos pais de Amauri Gallinari, que ele está aqui e deseja expressar-se, mas ainda não encontrou meios de afinar-se com o Chico, mas pede a eles estejam tranquilos porque ele está cada vez melhor, embora a saudade que é, aqui, um prato obrigatório para todos.

E um amigo, de nome Antônio Lourenço, roga seja dito à sua nora e à irmã Aparecida, que o neto dele, o Lourenço, está melhorando, mas ainda sente muita falta da família, especialmente da mãezinha, da esposa Aparecida e da filhinha Lília.

Pede a tranquilidade de todos, porque a paz dos nossos por aí, é uma bênção no coração de quem volta para as nossas pedreiras para cá da morte. Por pedreiras, simbolizo o trabalho que não esperávamos e que encontramos pela frente.

“Veia”, fique em paz e sirvamos com Deus. Agradeço os pensamentos bons e as preces amigas de nossa querida irmã, Dona Lélia.

E quero dizer a você que, no dia 28 próximo, estarei a seu lado nas preces pela felicidade do meu pai Gastão. É aquele dia de lembrar Meia Ponte e aumentar a plantação das saudades.

Mas a nossa fé é um remédio santo e pela nossa fé, havemos de sarar do passado, para construir o futuro melhor.

Já fiz o meu gibi de filho, mas tem muita cousa que não cabe dentro de hoje. Continuaremos em outras oportunidades.

Se alguém julgar que fui muito prolixo, é porque quem não sabe escrever, assim como eu, não sabe escrever curto.

Mas o abraço para você, Dona Augustinha, é um abração sem tamanho. Muitas lembranças para o nosso pessoal de casa, porque desencarnei, mas não larguei a coruja e receba um beijo de muita gratidão de seu “menino da porteira” e seu filho do coração,




Com a mesma linguagem expressiva de sempre, eis que volta Henrique, através do médium Xavier, na reunião da noite de 20 de agosto de 1977, no Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, Minas Gerais e publicada ao final da notável reportagem de Márcia Elizabeth “Chico Xavier, o Intérprete do Outro Mundo”, no jornal de Goiânia, O Popular.


Endereçando o leitor aos itens dos dois capítulos anteriores a este, a fim de aproveitar espaço e tempo, vejamos o que o Espírito do jovem goiano tem a nos oferecer:

1 — “Desde que você aceitou o meu pedido de perdão para o amigo que não esperava de nós outra atitude, minha vida mudou. Estou na condição do canário que esteve na gaiola e foi solto.” Eis, em poucas palavras, o que Allan Kardec estuda, em profundidade, no Cap. XII de O Evangelho segundo o Espiritismo — o perdão incondicional das ofensas. ()


2 — “Agora é que compreendo o que falava você em torno da obsessão. Isso é uma espécie de corda imantada, corda de aço, enrolando os Espíritos no mesmo drama de angústia.”


3 — “A cura vem do entendimento.”


4 — “Graças a Deus ficamos livres de nós mesmos, livres dos sentimentos que poderíamos abrigar indebitamente.”

Com efeito, para nos libertarmos dos processos obsessivos, nada melhor que o perdão, enquanto estamos a caminho, perdoar indefinidamente, setenta vezes sete vezes, segundo a recomendação de Jesus, a fim de que nos libertemos de nós mesmos, isto é, que nos desvencilhemos do orgulho e do egoísmo, que são cadeias poderosas, mas não inquebráveis.


5 — Mário Lúcio Sobrosa e Luiz Antônio Rabelo: cunhados de Henrique. Veja-se o de “Fatalidade do Reencontro”.


6 — Meu pai Gastão: Trata-se de .


7 — Eduardo: irmão de Henrique, que cursa, atualmente, a aviação civil em Goiânia. Veja-se o de “Fatalidade do Reencontro”.


8 — Márcia e Ângela: irmãs do Espírito comunicante.


9 — Oscar, Jurandir e Guimarães: Amigos de infância de Henrique, desencarnados em acidente.


10 — Júnior e Ricardo: o primeiro desencarnado em acidente; ambos amigos de Henrique e filhos do Sr. Juarez Távora de Azeredo Coutinho e de D. Glória Coutinho.


11 — D. Alice: Esposa desencarnada de Francisco Ribeiro Escartezini, e avó de Ricardo e de Júnior.


12 — D. Lélia Amorim Nogueira —Grande amiga da família de Henrique. Cf. os capítulos e .


13 — “Chapelin do Além” — Apelido dado a Henrique pela Sra. Ely Merola, referindo-se ao conhecido apresentador do “Jornal Nacional”, da TV Globo.


14 — Antônio Lourenço, Aparecida, filhinha Lília: Segundo informes de D. Augustinha, prestados em sua residência (Goiânia, Go.), na manhã de 4 de fevereiro de 1978, trata-se de familiares da Sra. Enid Prochnov Nunes, residente em Araraquara, Estado de S. Paulo.


15 — Meia Ponte: Referência à desencarnação de , no Rio Meia Ponte, a 28 de agosto de 1964.


16 — “Menino da Porteira” — Canção que Henrique e Eduardo, acompanhados pela genitora, cantavam. Veja-se o de “Fazer o bem: o melhor investimento”.


Finalmente, transcrevamos este tópico em que Henrique se dirige à sua “Veia” Augustinha, dirigindo-se a todos nós, os reencarnados, alertando-nos quanto à necessidade da paciência e da perseverança nos caminhos do mundo: “Mamãe, a luta é gigantesca e ainda que possamos parecer formigas querendo sustar uma tempestade, continuemos servindo e agindo.”




— Cidade/Estado, Goiânia, 25/09/1977, pág. 6.