Estante da Vida

Capítulo III

Diálogo e estudo



Teodomiro Ferreira e Cássio Teles saíam do templo espírita de que se haviam feito assíduos frequentadores e o diálogo entre ambos rolava, curioso. Teles, agarrado aos conceitos de ciência pura; Ferreira, atento aos ideais religiosos.

— Então, meu velho — considerava o primeiro —, não será tempo de largar os chavões da fé? Não entendo a atitude dos Espíritos amigos, repetindo exortações de ordem moral!

E sarcástico:

— Falam de Moisés, comentam 1saías, lembram Amós, entram pelo Novo Testamento e a história não acaba mais…

Ferreira lembrava, conciliador:

— É forçoso, porém, que você pondere quanto às exigências da alma. Que será da Terra se o coração não se elevar ao nível do cérebro?

— Não penso assim. Creio que a ciência, só por si, clareará os caminhos da Humanidade.

— Sim, respeitemos a ciência. Desconsiderá-la seria loucura, mas é justo convir que não se lhe pode pedir intervenções no sentimento…

— Velharias!… Definam-se as coisas e o sentimento será corrigido. E já que você encontra no sentimento a fonte de tudo…

— Cogitar de definições claras na vida é nosso dever; entretanto, a ciência na Terra explica os fenômenos, sem abordar as origens…

— Não concordo. Devemos à ciência tudo de grandioso e de exato que o mundo nos oferece.

— Até certo ponto, estou de acordo, mas os domínios científicos possuem os limites que lhe são próprios. Impossível desacatar a importância dos ensinamentos religiosos na sustentação da paz de espírito.

— Quem nos deu o automóvel e o avião?

— Claro que foi a ciência, mas isso não impede que o motor seja empregado para a condução de tanques e bombardeiros utilizados para destruir…

— A física nuclear? quem nos propiciou essa maravilha, destinada a patrocinar os mais altos benefícios para as civilizações do futuro?

— Sei que isso é prodígio da inteligência; contudo, não nos será lícito esquecer as vítimas das cidades que passaram pelo suplício da bomba atômica…

— Bem, você pensa assim, de outro modo penso eu… Não aprovo a pregação incessante que anda por aí… A palestra seguia nesse tom, quando os dois se aboletaram, como de costume, num bar amigo para o cafezinho habitual.


O gansão ia e vinha, quando, à frente deles, o televisor exibiu a figura de conhecido repórter, que passou ao seguinte noticiário, lendo expressiva nota da imprensa:

“O mundo atual sofre o risco de ser destruído pela sua própria grandeza no campo da inteligência. O perigo mais insidioso, talvez, é que numerosas conquistas científicas, realizadas com intentos de paz, possam ser empregadas, de um instante para outro, nos objetivos de guerra. As descobertas na biologia molecular são utilizáveis no desenvolvimento de agentes letais e aquelas que se relacionam com as drogas abrem horizontes à ofensiva psicoquímica. Sabe-se que as armas biológicas, em forma de “spray”, são de fácil confecção, com possibilidade de espalhar a peste sobre homens e animais. A chamada “febre de coelho”, conduzida por uma tonelada de “spray”, através de nuvens, dirigidas pelo vento, pode anular a resistência de milhões de pessoas. Um homem só, carregando pequena maleta de “vírus”, é capaz de contaminar as reservas de água endereçada à manutenção de grande cidade, conturbando-lhe a vida. Está demonstrado ainda que, com recursos microbianos, é possível, em pouco tempo, enlouquecer populações maciças. Uma tonelada de ácido lisérgico distribuída entre os habitantes de qualquer grande metrópole, através de canais alimentares, poderá torná-los esquizofrênicos, durante o tempo que isso venha a interessar ao inimigo. Químicos ilustres já asseveram que o mundo de hoje dispõe de venenos tão poderosos que bastarão alguns quilos deles para estabelecer a perturbação mental de nações inteiras. Fala-se agora que não é impossível operar rupturas na camada de ozônio que circunda a Terra, de modo a queimar lentamente as criaturas domiciliadas nas regiões que ficarem desprotegidas contra os raios solares infravermelhas. Além de tudo, comenta-se a possibilidade da criação de bombas nucleares semoventes, aptas a caminharem com os implementos próprios e que serão detidas tão só pela explosão de um artefato atômico. Esses engenhos sinistros transportariam a sua própria carga e, se colocados no rumo de determinadas zonas inimigas, reclamariam a utilização de um foguete interceptador, significando autodestruição para qualquer grupo alinhado em defensiva…”


O comentário deu lugar a programa diferente e Ferreira falou para o companheiro impressionado:

— Viu e ouviu com exatidão? A ciência é luz no cérebro, mas, só por si, não resolve os problemas da Humanidade. Que diz você de tão inquietantes perspectivas?

— É… é… — gaguejou Teles, evidentemente desapontado.

Toda a resposta dele, porém, não passou disso.


(.Humberto de Campos)