Este improviso de hoje Nem sei mesmo se começo, Quando a estrada é de ciência, Onde não caio, eu tropeço, Amigos querem que eu faça A cantiga do progresso. Só se conserva um criado Quando mostra serventia, Se meus patrões é que mandam, Não fujo da cantoria, Deus me perdoe se obedeço Cantando por teimosia. Sei tanto de evolução Quanto o burro da carroça, Ou quanto o pingo de areia Entende de maré grossa, Por isso, ninguém critique A minha lira da roça. Olhando o mundo de hoje Com tanta briga e fuá No povo correndo aqui, Depois correndo acolá, Se há plantação de progresso, Não sei o fruto que dá. Na casa de antigamente, Assim que o sol se escondia, Enxada e engenho paravam, A gente se reunia, A paz marcava a oração Na hora da ave-maria. Hoje em dia, a barulhada Não se sabe quando cessa, Ninguém quer ouvir alguém, Sossego não interessa, É quase toda pessoa Dependurada na pressa. Existia, em outro tempo, Serenata à luz da lua, Modinhas ao violão, Tranquilidade na rua, Mas agora, em muita festa Aparece gente nua. A pinga sempre foi brasa, Ninguém nega que isso havia, Mas hoje é povo demais Em loucura e fantasia, Comprimidos e erva brava Matando a muitos por dia. Embora a proibição No regime mais severo, Em qualquer dor de cabeça Que passe um pouco de zero, Muita gente grita logo: “Bolinha pra que te quero!…” A gente gastava tempo Andando a pé nos gerais, Hoje avião vence em horas Distâncias descomunais, Mas se um deles cai no chão Mata cem e, às vezes, mais. Em outro tempo, de noite, Luz era quase visagem, Agora, os focos no alto Clareiam qualquer paisagem E quanto mais luz brilhando, Mais força na malandragem. Arroz e milho pilados Criavam pratos de monta, Hoje as máquinas produzem Primores de mesa pronta, Mas deixam, por onde servem, Desastres que ninguém conta. Hoje em dia, há tanta escola Quanto a riqueza se expande, No entanto, por mais polícia Que nos vigie e comande, Não há cadeia que chegue Para os irmãos de mão grande. De grandeza e evolução Por muito a Terra se gabe, O que se anota é capricho Mesmo que a ordem desabe, Se agitação é progresso Só Deus, no Céu, é que sabe. |