Falando a Terra

Capítulo XXII

Na senda




Enquanto o discípulo apenas se enlevava na meditação, acerca do Mestre, tudo se lhe afigurava harmonia… Cada ensinamento era para ele uma nascente de luz, rasgando horizontes novos. E, por isso, a vida nunca lhe pareceu tão suave e risonha.

Ébrio de júbilo, dividia-se entre o firmamento povoado de estrelas e a Terra cheia de flores, a repetir:

— Que não farei por ti, Senhor?

Muitas luas decorreram, assinalando a passagem do tempo, quando o Mestre deliberou chamá-lo à sua presença augusta.

Escutando a divina voz, o aprendiz pôs-se em marcha, transbordante de contentamento. Que não faria para testemunhar amor e gratidão?

Em plena estrada, contudo, arrefeceu-se-lhe o ânimo: é que lhe era enorme o dispêndio de energia, ressumando-lhe o suor em grossas bagas.

Erguia-se a poeira, fustigando-lhe o rosto. De espaço a espaço, desabava um temporal, dardejando-lhe em torno raios deslumbrantes e aterradores; e então a lama se enovelava e esparzia em todas as direções.

Quando a sede o escaldava, não via senão água barrenta, e, se a fome o corroia, somente encontrava frutos amargos e ervas venenosas.

Ele, que começara a viagem à marcha batida, arrastava-se agora passo a passo. Serpentes e ciladas multiplicavam-se na dificultosa jornada.

E ele, que prometera amor a todos e a tudo, lançava-se ao ódio; ele, que louvava a humildade, entregava-se à revolta; ele, que enxergara no mundo o templo magnificente do Eterno, passara a considerar a Natureza mera taça de fel…

Incapaz de compreender a necessidade da luta para o crescimento da própria alma, ele, que se afirmara apaixonado pela perfeição do Mestre, duvidou de Sua sabedoria e previdência.

Por que não vinha o Senhor em seu auxílio? por que abandonar um aspirante da luz em plena desesperação?

Depois de longa reflexão, recolheu-se a extrema tristeza e fugiu à estrada real da redenção, arrojando-se, espavorido, aos formidáveis desfiladeiros das margens.

Assim ocorre na jornada cristã. Enquanto o seguidor do Evangelho apenas dorme e sonha, falando e imaginando, fora das realidades que lhe dizem respeito, é como o bateleiro em lago plácido, a vogar de manso à brisa acariciante, sob um céu azul; mas, se desperta e resolve navegar no largo oceano, ao encontro da Claridade Divina, pensando e agindo, conscientemente, de acordo com as lições do Mestre, os recifes e os vagalhões lhe sobranceiam o batel, em desafio ao aventureiro. Trava-se, então, a grande batalha. Somente a fé ungida de amor conseguirá vencer.