Querida mãezinha Helena, meu querido papai Walter, querida tia Marieta. Este é um momento em que não posso esquecer de pedir para que me abençoem.
Mamãe querida, somos aqui parcelas de muita ansiedade e de muita dor, somando esperança. Estou espantado como quem se vê obrigado pela primeira vez a fazer uma prova de habilitação, diante de muita gente. Já sei. O exame não é competitivo. Não procuro qualquer destaque para essa ou aquela situação. Desejo unicamente trazer-lhe consolo e fé em Deus.
Compreendo que me vejo aqui especialmente sob o auxílio do meu avô José Mandarino, que me tutelou desde as primeiras horas de meu novo modo de ser. Ele pensa com as minhas ideias e toma-me, quanto pode, a mão para escrever-lhes, porque, segundo ele próprio me afirma, não dispomos de tempo a fim de aperfeiçoar frases ou grafar as palavras demoradamente.
Devo comunicar-lhes que vivo, que Silvana e eu continuamos vivendo. Mãezinha e querido pai, será isso pouco? Creio que não.
Existem recados pequenos com extensões inapreciáveis de sentimento, pelas emoções que provocam. É isso. Queria tanto dirigir-me aos dois como o fazia, calculando e medindo palavra por palavra, entretanto, é preciso adaptar-me à nova condição em que me reconheço a expressar-me como posso.
Adivinho, porém, que ambos me identificarão através de quaisquer linhas que me saiam do lápis, de vez que em tudo o que consiga exprimir palpitará meu coração unido aos pais queridos aos quais Deus me confiou.
Venho pedir-lhes serenidade e coragem. Creiam. Nada fizemos que suscitasse em nós, em Silvana e em mim próprio, a mínima ideia de culpa. Guiava pela noite a dentro respeitando todos os sinais. Silvana por fim, com muito sono, repousava enquanto me fixava na atenção. Entendo, agora, que as minhas lembranças vão clareando, que nos achávamos quase na chegada. Seria Guarulhos o casario à nossa frente? Penso que sim. O choque veio tão rápido que ainda ignoro como descrevê-lo. Uma bomba que explodisse sobre nós não seria diferente.
Meu primeiro e último pensamento naquele instante inesquecível foi justamente o de verificar o que acontecia à companheira, entretanto, a inércia me absorvera. Não sei explicar que abatimento foi aquele que se apossou de mim. Um sono de agulha fortemente encharcada de anestésicos violentos me tomou a cabeça. Imagino que a Bondade de Deus cria a inconsciência para essas horas de separação do corpo físico, tanto quanto, ao que me parece, nos faz dormir, igualmente quando nos cabe nascer num berço do mundo. Quando acordei foram as lágrimas gritantes dos meus que, de algum modo, me compeliam a despertar.
Estava estontecido, cambaleante, à maneira de quem acaba de se desvencilhar de uma hipnose que eu não poderia compreender. O assombro me dominava a ponto de supor que tombaria num colapso nervoso quando vi, ao meu lado, o meu avô José. Era bem ele em minhas memórias de quase quinze anos para trás. Amparou-me com braços fortes e pediu-me para ser valente quando, pobre de mim, estava a cair de fraqueza e de espanto.
Aproximei-me da mãezinha, do papai, de outros parentes queridos, mas não sabia o que fazer para reconfortá-los.
Sem meios de entabular qualquer conversação mais equilibrada com o vovô José perguntei por Silvana, sendo informado que a lembrança ou o retrato físico que ela igualmente deixara estava perto de mim, no entanto, ela mesma havia sido conduzida para a organização hospitalar onde, mais tarde, nos reencontraríamos.
Confesso, mãezinha, que uma dor imensa me fez amargar o coração pela impossibilidade de conversarmos os dois com o meu pai, mas o vovô José percebeu que eu não queria separar-me da companheira querida, mesmo entendendo, de inesperado, que apenas deixáramos as nossas vestimentas terrestres no recanto de memórias do Araçá, e com carinho ele me prometeu que o meu primeiro pedido na 5ida Espiritual seria satisfeito.
Achávamo-nos no instante em que as despedidas me faziam chorar quase em desespero, mas meu avô me reconfortou explicando que falaria mentalmente com o papai e que a família me colocaria, do ponto de vista de união final de reminiscências da Terra, tão juntos, Silvana e eu, como juntos queríamos viver. Meu avô trancou o jazigo para que meu pai compreendesse até que, de algum modo, me vi consolado ao saber que Silvana e eu não ficaríamos apartados um do outro.
Capricho de rapaz, querida mamãe, porque, com os dias o entendimento foi amadurecendo em meus raciocínios… Agora reconheço que o ápice de nossos sofrimentos desceu para o declive da saudade que realmente não passa do ponto em que se fixou, porquanto, a saudade é nossa, tão nossa, que somente nós a compartilhamos na intensidade com que se nos agigantou por dentro da própria alma. Neste estado de coisas, é que lhes peço fé e coragem.
Agradeço as orações e todas as demonstrações de carinho que nos ofertaram. Agradeço tudo e lhes afirmo que continuo sendo o mesmo, o mesmo filho reconhecido.
Silvana ainda se vê bastante traumatizada e não creio que ela pudesse vir em minha companhia, senão para chorar longamente, entretanto, se encontra em refazimento e quase recuperada.
Aqui, encontrei outro avô, o avô Lupo e a vovó Marieta, com outros amigos que me auxiliam. Eles todos me contaram que teríamos este encontro — um encontro difícil em que nos enxergamos pela saudade e pelas lágrimas, entretanto, rogo para que nos esforcemos por transformar as nossas comoções em preces de esperança.
A Vida não termina com a morte. Estamos todos interligados, vivendo em dois mundos diferentes na aparência, mas unicamente no que diz respeito às exterioridades de nossas manifestações, porque a verdade é que há um espírito de sequência em tudo o que hoje observo para efetuar a retomada total, de mim próprio.
De amigos queridos, conheço igualmente a criatura santa que me disse ser minha vovó Ana, e um amigo, que se faz conhecer por Ângelo Sartorelli, tem consagrado à Silvana especial atenção. Peço-lhes que se restaurem na confiança em Deus e na vida.
Mãezinha, escutei suas petições: “Rogo a Deus para que seja meu filho Sérgio a exprimir-se se acaso tivermos de receber alguma notícia dele”.
Guarde convicção de que sou eu mesmo. Rogo ao seu querido coração para desejar viver. Meu pai precisa de sua força espiritual. Paulo e Ricardo, os irmãos queridos, estão pedindo assistência e proteção. E do que me ocorre, vejo-me simplesmente em outra forma de existência, mas estarei a cooperar a fim de que a nossa casa esteja em paz, quando isso se me faça possível.
Por minha vontade, teria permanecido. Ficar sim. Ficar para erguer-me no futuro de serviço e ser para meu pai o companheiro que aspirei ser. Acontece, porém, que as leis da vida e da morte são as leis de Deus.
Cada um de nós tem um ponto de desembarque do comboio físico, na mesma regra pela qual encontramos um ponto de partida.
Ali, querida mãezinha Helena, onde ficaram minhas derradeiras fotos, era estação assinalada para que desfizesse dos encargos do presente. Mas, creiam vocês que estaremos juntos como sempre.
O avô José pede seja dito a meus pais e à tia, especialmente, que tia Carmela voltou em paz e que se encontra amparada nas vibrações das preces de muitos amigos, incluindo as orações do tio Raimundo.
Mãezinha, papai, querida tia, o tempo esgotou-se para mim. Deus sabe que procurei estampar o meu coração naquilo que escrevo.
Através da meditação e da saudade, reunir-nos-emos sempre. Um novo despertar aparece por dentro de mim. É a esperança de que se chorarmos, ainda esse pranto será de gratidão a Deus que nos criou para sermos uns dos outros.
Papai, o vovô José pede-lhe considerar que o seu tratamento exige tranquilidade. Primeiro acalmar todos os pensamentos para, em seguida, refletirmos sobre a assistência médica em perspectiva.
Em tempo ainda, rogo o seu carinho resgatar uma dívida em que me empenhei com os amigos ao iniciar a viagem. Não sei se devo duzentos ou duas vezes duzentos cruzeiros. Preciso, porém, registrar isso, porque nas pequenas obrigações cumpridas aprendi comigo a preparar-me para as grandes.
Muito carinho aos irmãos e a todos os nossos. Abstenho-me de assinalar muitos nomes para não me esquecer de que sou devedor de todos.
Mãezinha querida, querida tia e querido papai, aqui neste ponto final fica estacado o próprio coração do filho que lhes deve a vida e a alegria de viver e que lhes será sempre o companheiro reconhecido.
As confirmações observadas na psicografia de Francisco Cândido Xavier nos sensibilizam e encantam. É o que Sérgio Luiz nos mostra: “…rogo ao seu carinho resgatar uma dívida… não sei se é duzentos ou duas vezes duzentos…”
Sua mãe nos conta:
Assaltados em Saquarema, Serginho e Silvana seguiram para o Rio de Janeiro à procura de um telefone. Conheceram Katia Mary de Castro, que os apoiou e emprestou-lhes Cr$ 200,00 para regressarem a São Paulo, apesar de haver insistido em lhes entregar a importância de Cr$ 400,00. “Apesar dos contatos com Katia, na época não lembrei de resgatar a dívida.” Eis a razão do apontamento.
Outra nota importante: Serginho gostaria de estar junto a Silvana no sepultamento e deu a entender isso ao avô que o assistia. O Benfeitor prometeu atendê-lo no primeiro pedido além túmulo. Trancaria o jazigo e falaria mentalmente com o pai do jovem desencarnado.
Essa informação explica a dificuldade que os pais tiveram no sepultamento dos jovens, visto que a fechadura do túmulo emperrou de tal maneira que nenhuma chave das muitas que a família possui serviram para abri-la.
Num ímpeto de amor paternal incontido, Walter Mandarino, pai do jovem Sérgio Luiz, comprou um lote de terreno no mesmo Cemitério do Araçá, em São Paulo, e sepultou-os juntos.
Sérgio Luiz Mandarino: Nascimento: 27.11.1957. Desencarnação: 8.2.1978.
Pais: Walter Mandarino e Helena Parigros Mandarino — Rua Barão do Jaceguai, 1974, São Paulo — SP.
Irmãos: Paulo e José Ricardo Mandarino.
Silvana Sartorelli, noiva, desencarnou em sua companhia.
Avô: José Mandarino, paterno.
Bisavó: Ana, materna.
Tios: Marieta, paterna.
Carmela, irmã do vovô José Mandarino, desencarnada em 26.12.1978.
Raimundo, esposo de tia Carmela.
Ângelo Sartorelli, tio paterno de Silvana Sartorelli.
Vovô Lupo.
Katia Mary de Castro, pessoa que favoreceu Sérgio Luiz, no empréstimo de Cr$ 200,00 no Rio de Janeiro, para que pudesse voltar a São Paulo.