Gratidão e Paz

Capítulo XIII

Júlio César C. da Silveira



Júlio César era o filho único do primeiro casamento de Dª Arina Cardoso da Silveira; residente em Criciúma, Santa Catarina. Estudioso, concluía o 2° Grau; e trabalhava, à tarde, num Laboratório de Análises Clínicas. Vivia em harmonia com a família: a mãe; o padrasto Alvim da Silveira, considerado por ele como “pai amigo”; e os irmãozinhos André e Rodrigo.

Assim, ao pôr termo à vida física, com um projétil de revólver, em 24 de junho de 1986, poucos dias depois de completar 17 anos, surpreendeu profundamente toda a família e seus amigos.

Quase dois anos após esse doloroso acontecimento, Júlio César voltou a dialogar, em esclarecedora e amorosa mensagem psicográfica, com sua progenitora, que comparecia, na noite de 27 fevereiro de 1988, pela terceira vez, à reunião pública do GEP.

Dias antes, Dª Arina teve um sonho nítido com o médium Chico Xavier, e decidiu viajar urgentemente, de Santa Catarina a Uberaba, superando vários empecilhos, entendendo que o sonho se lhe revelava que era a hora do filho querido comunicar-se… E ela estava certa.

Mostrando-se humilde e arrependido, o jovem relata, em páginas de dura realidade, a dolorosa situação em que se encontrou na 5ida Maior, após o suicídio, transmitindo valiosa experiência a todos nós, e exclama à sua mãe, numa súplica comovente: “Ah! Mamãe Arina, perdoe-me.”


Querida mamãe Arina. Peço-lhe me abençoe.

Ainda me vejo no centro dos resultados infelizes do gesto com que me retirei da vida física, sem esperar pelos Desígnios de Deus.

Depois daquele fim de junho em que a imaturidade me tomou o espírito, armando-me com o projétil que usei contra mim próprio, não sei dizer a extensão de minhas ansiedades. Estava, de minha parte, na condição do rapaz menino, derrotado pelo sofrimento; e associando-me à sua dor de mãe que indagava o porquê do meu gesto desesperado, os meus conflitos eram visões arrasadoras. Ah! Mamãe Arina, perdoe-me.

Ninguém precisa reprovar a criatura que se mergulha nas sombras do suicídio, porque essa criatura já possui, por si mesma, um monte de amarguras para se sentir nos caminhos dolorosos da corrigenda, com o remorso a lhe pesar na consciência. O que sofri, logo após o meu desenlace, é alguma coisa que me escapa ao propósito de interpretação.

Tomei conhecimento de mim próprio, depois de longos pesadelos em que me mantinha no comportamento dos loucos.

Um dia, não sei depois de quantos dias, senti que a minha consciência despertava, talvez mais viva.

Pude, no entanto, ouvir aquela alma santa que se me deu a conhecer por Tereza, a minha bisavó, hoje minha benfeitora e enfermeira a fazer-me reconhecer que Deus existe nos corações afeiçoados na abnegação e no sofrimento. Venho até aqui em companhia dela, pedir o seu perdão para minha falta grave. Sei que entidades infelizes tiveram muita participação em meu problema triste, mas não desejo inculpar senão a mim mesmo, porque a vida é uma bênção de Deus, e nos cabe a obrigação de esperar por Deus para deslocá-la de uma situação para outra.

Peço-lhe perdão, sem me esquecer de fazer idêntica rogativa ao meu pai amigo Alvim e aos meus irmãos André e Rodrigo. Se pudesse desejaria pedir a todos os amigos, e até mesmo aos objetos de nossa casa, me desculparem o erro cometido.

Rogo ao seu carinho de mãe, conversar com a nossa Ângela, dizendo-lhe que não a esqueço e lastimo a compulsão de que fui vítima, num momento em que eu tanto precisava continuar vivendo em minha existência de menino.

Querida mamãe, agradeço o seu auxílio, amparando-me indiretamente ao fixar-se no trabalho de assistência da Seara de Jesus que, em Criciúma, é a presença de Cristo, tomando-nos pelas mãos a fim de guiar-nos na direção dos asilos da paz.

Sei que errei e compreendo que sou punido por mim próprio, mas não estou sem esperança. Deus retira novos rebentos das árvores decepadas e faz nascer, no pântano, os lírios que enfeitam a lama com a brancura dos lírios de neve.

Mãe querida, não me pergunte a razão do ato tresloucado a que me entreguei. Ainda não tenho os pensamentos equilibrados a fim de estudar o meu próprio flagelo íntimo. E creia que a Ângela não terá sido a causa do meu desequilíbrio. Por muitos dias, senti-me dominado por uma vontade muito superior à minha, e tudo planejei precipitadamente para não adiar e nem falhar naquele gesto infeliz.

Mãe Arina, perdoe-me se não procurei ver os seus exemplos de paciência e coragem diante da vida. Graças a Deus, sinto-a sob o amparo de nosso Alvim, a quem amo qual se fosse meu próprio pai, e peço a Deus para que os meus irmãos André e Rodrigo não me sigam na estrada espinhosa na qual eu me debato.

Embora as minhas tribulações, lembro-me de que o aniversário do Rodrigo está próximo, e rogo à sua bondade abraçar por mim o querido irmão.

Venho melhorando em meus conhecimentos nas suas horas de dedicação aos necessitados na Seara. Que eu possa ampliar as minhas experiências e aprender a servir como devo.

Estou ainda nas forças de minha bisavó Tereza e não sei onde estarão as minhas, porque, desde a minha conscientização, estou um bagaço de fraqueza e sofrimento. Peço ao seu carinho continuar amparando-me em suas orações, porque as orações das mães crucificadas pelos filhos no madeiro da provação, através da imensidão do Espaço, chegam a Deus para que a misericórdia do Pai, de Infinita Bondade; recolha em seu manto de luz os filhos ingratos que não souberam ou não quiseram viver.

Mãe querida, estas são as minhas palavras. Se puder servir como súplica de um filho transviado, receba o cálice de fel que lhe trago, com a esperança de que Deus me restaurará o coração para aceitar a obediência e o arrependimento na condição de agentes de minha própria renovação.

Quisera escrever muito ainda, mas, apenas diria mais amplamente a dor que ainda me faz tão desvalido de qualquer recurso que signifique encorajamento ou consolação.

Mãe Arina, meu abraço ao meu segundo pai e a meus irmãos. E colocando-me de joelhos para rogar-lhe perdão por minha falta, espero, um dia, ser novamente digno de seu carinho e dedicação.

Isto é tudo o que posso dizer, entregando-lhe o coração de seu filho que a dor vem burilando para que eu seja realmente o seu filho da alma, sempre o seu


Júlio César C. da Silveira, porque este é o nome verdadeiro que me vai no coração.

Escrevo assim, mas nada tenho contra o pai Moretti que é também filho de Deus, como nos acontece.



Notas e Identificações

1 — Bisavó Tereza — Desencarnada em 28/4/1983.

2 — Ângela — Amiguinha que ele amava.

3 — Mamãe, agradeço o seu auxílio ao fixar-se no trabalho de assistência da Seara de Jesus — “Sentia me no fundo do poço. Mas, quando uma voz soou em meus ouvidos, dizendo: “Centro Espírita” (…) decidi abraçar a Doutrina Espírita com muita fé e muito amor, pois tenho certeza que foi ela que me salvou, tirando-me das trevas para enxergar a verdadeira luz, Graças a Deus.” (Palavras de Dª Arina, em carta, a nós enviada, de 04/7/1988.)

4 — Pai Moretti — Progenitor.

5 — Júlio César C. da Silveira — Aqui ele substitui o seu sobrenome pelo do padrasto, Sr. Alvim da Silveira.