Histórias e Anotações [FEB]

Capítulo VII

De pé os mortos



Senhor! O Brasil é o Coração do Mundo e o coração nunca dorme. É a Pátria do Evangelho, é a Terra espiritual do testemunho.

Confiaste-lhe a Árvore de Teu Infinito Amor e no País da Fraternidade estenderam-se-lhe os ramos verdes e fartos, acolhendo as criaturas.

Abençoaste os que choram. O Brasil incorporou torturados e oprimidos de outras raças à sua família generosa.

Atendeste a injustiçados. O Brasil sempre abrigou os perseguidos, proporcionando-lhes vida nova.

Exaltaste os pacíficos. O Brasil exerceu, em todo tempo, a bondade e a tolerância, perdoando criminosos, anistiando rebeldes, esquecendo traições e calúnias, por acolher irmãos bem-amados.

Elevaste os limpos de coração. O Brasil nunca tingiu as mãos no sangue fratricida, nas horas culminantes de renovação política, aceitando-te os desígnios nos instantes solenes de sua história.

Determinaste que os homens se amem uns aos outros, como nos amaste. (Jo 15:12) O Brasil abriu suas portas de oito mil quilômetros de extensão à frente do mar e recebeu fraternalmente os filhos de todos os povos do globo, sem preconceitos de cor, de sangue, de nacionalidade, de religião.

Agora, Senhor, neste momento grave do mundo, o teu grande Brasil, nossa Pátria, foi chamado à defesa da verdade contra a mentira e a impostura.

Não te reclamamos a assistência necessária. Sabemos que tuas mãos misericordiosas pousam no leme, guiando aqueles que governam o destino dos filhos do Cruzeiro; mas, nesta hora de suprema determinação histórica, reafirmamos-te confiança e pedimos derrames tua luz em cada coração, em cada anseio materno, em cada recanto do lar, para que todo o Brasil compreenda que esta não é uma guerra de irmãos contra irmãos, porém, a da luz contra as sombras, da civilização contra a barbaria, do direito contra a força, do equilíbrio contra a demência.

Sabemos que preservarás a Pátria do Evangelho, desde o vale do Amazonas às coxilhas do Rio Grande, envolvendo-a nas dobras do pendão auriverde, em que colocaste um coração azul enfeitado de estrelas, símbolo de tuas sagradas esperanças; que irás de norte a sul, inspirando os que administram, orientando resoluções sábias, encorajando as mães, iluminando o conselho dos velhos, renovando energias da juventude, unificando o pensamento nacional. Entretanto, rogamos esclareças a todos os brasileiros, para que cada um se integre no espírito de serviço que dignifica o dever, a responsabilidade, o trabalho, a ordem e a disciplina. Auxilia-os a fazerem cessar neste momento as paixões, contendas, suspeitas, opiniões individualistas, interpretações políticas e sectarismos religiosos, a fim de que paire, acima das preocupações inferiores, a visão do Brasil imperecível, na integridade gloriosa dos bens que nos confiaste.

Nós, os “mortos” da Pátria, estamos igualmente de pé. Aqui nos encontramos para dizer aos nossos irmãos que a Vida Eterna resume as realidades sublimes e imortais, e que entrelaçaremos nossas mãos com as deles, nos testemunhos necessários.

Jesus, acrescenta valores aos nossos valores, como tens acrescentado confiança à nossa fé; ensina-nos a transportar a flâmula auriverde, do topo radiante dos mastros aos nossos corações, a fim de a içarmos bem alto no cimo da consciência.

Senhor, o Brasil permanece contigo, por expulsar do templo da vida os vendilhões do direito e da paz, e cada brasileiro reconhece que tu estás conosco, porque a tua cruz é símbolo de resistência heroica e porque sabemos que combates, desde o primeiro dia do Evangelho, na guerra do bem contra o mal, que ainda não terminou.


(.Humberto de Campos)


[Com o mesmo nome deste capítulo “De pé os mortos”, Humberto de Campos intitulou uma introdução à 2ª edição do Parnaso de Além-Túmulo, publicada em 1935]