Histórias e Anotações [FEB]

Capítulo III

Petições



Diante da Benfeitora desencarnada, que atendia por intermédio do médium, em plena reunião de atividades espirituais, exclamou a senhora, súplice:

— Irmã Corina, sou Angélica de Seixas… Ainda não sou espírita, mas venho até aqui em grandes necessidades. Ampare-me, por amor de Deus!…

— Diga, filha — respondeu a entidade benevolente.

A visitante prosseguiu, quase em lágrimas:

— Tanto e tamanhos são os meus problemas, que fiz uma lista de minhas petições. Posso lê-la?

— Como não?

E dona Angélica, desdobrando larga folha de papel, passou a falar, atenta às notas escritas.

— Eis o que desejo:

Cura de minha velha nevralgia.

Remédio para meus olhos.

Liquidação da angústia que me persegue.

Esquecimento da tristeza e do tédio que me acompanham.

Medicação para a insônia.

Sossego íntimo.

Dizem que sofro de obsessão e quero livrar-me.

Desaparecimento dos vultos e das vozes que me atormentam.

Recuperação do meu esposo, atacado de hepatite.

Restabelecimento do meu filho Damião, internado em repouso.

Casamento feliz para minha filha Arileia.

Melhoria do temperamento de meu filho Avelino, que já consumiu dois automóveis, em menos de seis meses.

Solução dos papéis relativos ao recebimento da herança que nos foi legada por meu tio João de Seixas, que morreu no ano passado.

Calma e revigoramento para meu futuro genro, que anda extremamente nervoso desde a noite em que se embriagou, quebrando o braço numa queda de lambreta.

Bênçãos para a nossa fazenda, onde o gado, há muito tempo, está doente e mofino, sem que o veterinário descubra a causa.

Paciência e harmonia para as minhas quatro empregadas, que vivem reclamando contra mim.

Mudança pacífica do vizinho da esquerda, cuja casa é uma fábrica de barulho constante.

Compradores corretos para os seis apartamentos que acabamos de construir.

Concessão de cinco telefones.

Encontro do meu anel de brilhantes, perdido há dois meses.

Despacho favorável num processo de despejo que movi contra dois inquilinos relapsos.


Dona Angélica terminou em pranto, mas a veneranda Corina, compreendendo-lhe o desajuste psíquico, abraçou-a com afeto e ponderou, gentil:

— Sim, minha irmã, confiemos na Divina Providência. Examinaremos todas as solicitações formuladas; no entanto, é preciso começar pelo tratamento adequado de sua própria saúde. Rogo-lhe apenas vir à nossa instituição durante meia hora por semana, a fim de que lhe seja administrado o tratamento magnético necessário, em nossos minutos consagrados à prece.


Ante a pausa que se fizera natural, tornou a Benfeitora com a ternura de quem afaga um doente:

— Poderemos aguardá-la, amanhã?

Dona Angélica, entretanto, abanou a cabeça, em sinal negativo, e alegou a multiplicidade dos compromissos que a reteriam no lar. Tropeços, dificuldades, trabalhos, obrigações…

A abnegada interlocutora, porém, observou, prestimosa:

— Bem, a irmã não pode vir ao nosso encontro; contudo, não nos será difícil prestar-lhe a devida cooperação em sua própria casa. Bastará que se mantenha em recolhimento, por vinte minutos, de sete em sete dias, no horário e local a combinar.

Logo após, com assentimento da interessada, marcou-se a primeira etapa socorrista para a noite seguinte, e lá fomos, alguns companheiros em equipe de assistência, para a tarefa a realizar-se; no entanto, a irmã Corina esperou, debalde, no aposento indicado aos breves momentos de silêncio e oração.

Dona Angélica de Seixas não conseguira atender-nos, por estar mentalmente ocupada, em meio de alegres amigas, numa longa e agitada sessão de pif-paf.


(.Humberto de Campos)