Diz você que é necessário inflamar a lâmina da crítica, em fogo de combatividade, para expulsar os vendilhões dos templos do Espiritismo e, exaltadamente, repete a palavra “conspurcação”, a cada trecho de sua carta, como se apenas encontrasse, em torno dos próprios passos, malfeitores e ladrões.
Nesse afã de julgar e sentenciar, você se reporta à impressões de oitiva sobre determinados companheiros, descobrindo-lhes, desapiedadamente, as cicatrizes, à maneira de um santo convertido em juiz de consciências alheias. E promete devassar a vida pública e privada de pessoas respeitáveis, incompreensivelmente indignado em nome do Mestre da Cruz.
Mas, examinando os propósitos que você mesmo traz à nossa consideração, seria justo movimentar semelhantes golpes, em nome da caridade?
Seu zelo relaciona fraquezas e desventuras de irmãos nossos, aos quais você, se pudesse, deserdaria de todos os benefícios da proteção divina, a pretexto de preservar a pureza doutrinária.
Mas, se o Cristo, cuja inspiração procuramos para os destinos de nossa fé, nunca se afastou dos transviados e dos enfermos, porque razão se recolheria o Espiritismo, num círculo de eleitos, sem qualquer vantagem para a extensa coletividade dos sofredores a que nossa bandeira veio servir? Onde colocaríamos o nosso programa de regeneração fugindo aos mais necessitados? E se vamos condenar aquele que hoje procura acertar o próprio caminho, onde situar a doutrina de amor que pretendemos estender, na Terra, em favor do próximo?
Se estamos interessados na recuperação humana com Jesus, é preciso lembrar que não sustentaremos a ordem de um edifício, atirando-lhe pedradas.
A cultura da fé assemelha-se à lavoura comum. Para salvar um espécime entre milhares, ninguém se aventuraria a ameaçar a plantação inteira. E, ainda para defender um simples arbusto — se é que nos propomos realmente defendê-lo — não concretizaremos qualquer auxílio, ao preço da violência.
O sarcasmo não constrói, tanto quanto o vinagre não mata a sede.
Uma doutrina religiosa é serviço de educação das almas. O Espiritismo não pode escapar à regra. Dispomos no Brasil de mais de quinhentos mil espiritistas confessos [hoje esse número se conta por milhões], mas poderíamos alimentar a vaidade de contar com meio milhão de heróis?
Sabemos que, entre as legiões dos companheiros de boa vontade, temos vastas fileiras de doentes, obsedados e aflitos… Declara-se você, contudo, disposto a guerrear os expositores da Doutrina que, segundo suas afirmativas, não cumprem o que ensinam.
Entretanto, estará você suficientemente seguro, quanto às alheias consciências, ao ponto de apreciá-las, com exatidão, pela superfície?
Quantas árvores, desagradáveis pelo acúleos da epiderme, sustentam as fontes preciosas do mundo? Quantos cais, aparentemente enlameados, defendem povoações e cidades contra a fúria do mar?
Não nos consta a existência de alguma ordem de Jesus recomendando-nos a instalação de tribunais para a censura a irmãos, em experiências diversas da nossa; no entanto, não ignoramos que o Mestre nos exortou ao serviço do amor, em todas as circunstâncias…
Atravessada a fronteira da morte do corpo, se nos mantemos efetivamente despertos para o desempenho dos deveres que nos cabem, ante as Leis Superiores, uma compreensão mais humana nos aclara o espírito e, dentro dela, meu caro, não há lugar para a ironia ou o fel.
O sentimento de nossa pequenez impõe-nos a obrigação de cooperar no bem de todos, a fim de que nos não falte auxílio no crescimento para a Vida Eterna. Acreditando, assim, que você nos escreve com sinceridade, devo afirmar-lhe, sinceramente, que não posso concordar com a sua cruzada de reprovações públicas.
O tempo é uma dádiva do Senhor, com a qual necessitamos aprender a semear e a construir com o bem.
É possível que outrem lhe diga de minha incapacidade para corrigir, por ter errado muito, por minha vez, na Terra. Outros dirão que não passo de um Espírito perturbado, em razão de meus distúrbios intelectuais no mundo.
Não nego a minha condição de enfermo em reajuste. Sou um pecador, trabalhando para não alongar a relação de minhas próprias faltas. Mas, no fundo, não posso prestigiar a sua campanha de crítica e de condenação porque eu sou um homem desencarnado, e porque você é um homem que vai morrer.