Certo devoto, em se retirando do templo, sempre encontrava pequena turma de pedintes e sofredores, com os quais distribuía os níqueis que lhe sobravam na bolsa. Em seguida, exortava-os à confiança no porvir, quando as administrações terrestres aprendessem a efetuar a justa repartição das riquezas. Contassem todos com o Senhor, rico de bondade para todos os dilacerados da sorte, e que lhes enviaria benfeitores leais para o suprimento de pão e bem-estar no momento oportuno.
À noite, de mãos postas, elevava-se espiritualmente ao Céu e figurava-se, à frente do Cordeiro Divino…
Ajoelhava-se e pedia reverente:
— Senhor, teus pobrezinhos padecem frio e fome… Auxilia-me para que possa, por minha vez, ampará-los em teu nome. Para isto, ó Providência dos deserdados, digna-te conceder-me a mordomia nos bens materiais! É imprescindível que os celeiros de tua compaixão permaneçam sob a guarda de colaboradores eficientes e fiéis!…
E o Salvador ouvia-o, complacente, sem prometer modificação de programa.
O aprendiz da fé retomava a luta habitual, sempre interessado na crítica fraterna. De quando a quando, visitava instituições de benemerência e reparando a onda crescente dos necessitados ao redor dos trabalhos socorristas, inquiria santamente indignado:
— Onde se ocultam os ricaços sem deveres?
E, sem qualquer escrúpulo, justificava a indisciplina reinando na Terra.
Fazia carga asfixiante de palavras contra os favorecidos da fortuna e, não obstante cristão, declarava compreender o desespero dos pobres, quando se convertiam em revolucionários demolidores.
— Impossível um equilíbrio social — asseverava, ríspido — quando os endinheirados alardeiam conforto excessivo ao pé dos indigentes.
Chegada a noite, tornava à rogativa, semiliberto do corpo físico e, sentindo-se diante do Mestre, voltava a solicitar:
— Senhor, tenho encontrado dezenas de enfermos esfomeados plenamente esquecidos… Sofrem e choram, esmolando debalde na via pública… Os missionários da proteção coletiva, a quem emprestaste a autoridade e o ouro, esqueceram-te as bênçãos e cristalizam-se no egoísmo feroz. Dá-me recursos! Tenho necessidade de espalhar os teus benefícios!
O Salvador registrou a prece, sem alterar-lhe o roteiro.
E semelhantes cenas passaram à categoria de hábito inveterado. O devoto, em esforço verbal diário, defendia os órfãos, os doentes, as viúvas, os desempregados, os aflitos e os tristes, apaixonadamente.
Nas rodas de companheiros, depois dos ofícios religiosos, pregava o advento do mundo novo em que os ricos da Terra seriam menos tirânicos e os probrezinhos menos desditosos. Avançava, para isso, em teorias sociais de consequências imprevisíveis…
Em certa ocasião, depois de grande calamidade pública, saiu a esmolar em favor das vítimas infelizes. A seca trouxera à cidade lamentáveis farrapos humanos. Inexprimíveis padecimentos desfiguravam centenas de rostos. Os infortunados pediam trabalho, mas, antes de tudo, requeriam remédio e alimentação.
Tantas aflições presenciou o devoto, no círculo dos flagelados, e tanta indiferença surpreendeu na esfera das pessoas felizes que, à noite, em preces mais comovedoras e mais ardentes, subiu, em lágrimas, ao Trono do Cordeiro e suplicou:
— Senhor, os teus tutelados na Terra perecem à míngua de amor… Os afortunados escarnecem dos miseráveis, a opulência pisa os desvalidos. Dá-me acesso à riqueza fácil. Tenho necessidade de recursos urgentes para atender, no mundo, em nome de tua caridade infinita…
O Mestre, tocado no íntimo, através de tão reiteradas rogativas, alterou os desígnios e recomendou que o pedinte fosse conduzido, sem demora, ao manancial da prosperidade terrestre. E a ordem desceu de anjo a anjo e de servo a servo, assim quanto ocorre num exército humano em que a determinação do general supremo desce de oficial a oficial e de soldado a soldado.
Em breve, o devoto era invariavelmente seguido por um mensageiro espiritual incumbido de soerguer-lhe o padrão econômico. Atendendo aos imperativos da tarefa que lhe fora cometida, o emissário começou por observar-lhe as atividades comuns, identificando-lhe a posição de comerciante ativo e, examinando o melhor processo de conferir-lhe a doação celestial, passou a insuflar-lhe ideias favoráveis, utilizando recursos indiretos…
Em algumas semanas, o crente sentiu-se compelido a realizar enormes aquisições de cereais, estimulado por inexplicável entusiasmo e, em sessenta dias, à face das exigências de exportação, o estoque gigantesco rendeu-lhe o lucro líquido de oitocentos mil cruzeiros.
O auxiliar invisível, contudo, anotou-lhe profunda modificação íntima. O homem que possuía oitenta por cento de vocação para o desinteresse com Jesus e vinte por cento de comercialismo por necessidade fatal da experiência humana revelava estranha diferença. A mente dele, de inopino, acusou noventa e nove por cem de pensamentos alusivos à oferta e procura, compra e venda, restando apenas um por cem para o idealismo evangélico.
O cooperador espiritual, sem acesso agora ao coração dele, buscou um companheiro de fé e inspirou-lhe a formular apelo ardente à execução da promessa ao Senhor, mas o crente, quase irreconhecível, respondeu, sem rebuços:
— Sim, efetivamente, em dois meses, ganhei oitocentos contos, todavia, é imperioso reconhecer que isto é uma insignificância para a nossa época. Além disso, a caridade pode esperar… O verdadeiro bem não é serviço que se faça de afogadilho…
Fixou a máscara grave do homem de negócios excessivamente preocupado e concluiu:
— Não posso esquecer igualmente que, acima de tudo, tenho a família e o futuro não é brincadeira…
Foi então que o mensageiro, fundamente desapontado, voltou ao domicílio que lhe era próprio e a nova notícia, de servo a servo e de anjo a anjo, subiu para o Senhor.