Naquela manhã ensolarada de domingo, Gustavo Torres, em seu gabinete de estudo, alinhava preciosos conceitos sobre a arte de ajudar.
Espiritualista consciencioso, acreditava que a luta na Terra era abençoada escola de formação do caráter e, por isso, atendendo às exigências do próprio ideal, enfileirava, tranquilo, frases primorosas para o comentário evangélico que pretendia movimentar na noite seguinte.
Depois de renovadora prece, começou a escrever, sentidamente:
— O próximo, de qualquer procedência, é nosso irmão, credor de nosso melhor carinho.
— O caluniador é um teste de paciência.
— Quando somos vitimados pela ofensa, estamos recebendo de Jesus o bendito ensejo de auxiliar.
— Desesperação é chuva de veneno invisível.
— A desculpa constante é garantia de paz.
— Não olvides que a irritação, em qualquer parte, é fermento da discórdia.
— Suporta a dificuldade com valor, porque a provação é recurso demonstrativo de nossa fé.
— Se um irmão transviado te prejudica o interesse, recebe nele a tua valiosa oportunidade de perdoar.
— Se alguém aparece, como instrumento de aflição em tua casa, não fujas ao exercício da tolerância.
— A calma tonifica o espírito…
Nesse momento, a velha criada veio trazer o chocolate, sobre o qual, sem que ela percebesse, pousara pequena mosca, encontrando a morte.
Torres anotou o corpo estranho e, repentinamente indignado, bradou para a servidora:
— Como se atreve a semelhante desconsideração? Acredita que eu deva engolir um mosquito deste tamanho?
Impressionada com o golpe que o patrão vibrara na bandeja, a pobre mulher implorou:
— Desculpe-me, senhor! A enfermidade ensombra-me os olhos…
— Se é assim — falou áspero —, fique sabendo que não preciso de empregados inúteis…
O conferencista da arte de ajudar ainda não dera o incidente por terminado, quando o recinto foi invadido pelo estrondo de um desmoronamento.
O condutor de um caminhão, num lance infeliz, arrojara a máquina sobre um dos muros da sua residência.
O dono da casa desceu para a via pública, como se fora atingido por um raio.
Abeirou-se do motorista mal trajado e gritou, colérico:
— Criminoso! Que fizeste?
— Senhor — rogou o mísero —, perdoe-me o desastre. Pagarei as despesas da reconstrução. Tenho a cabeça tonta com a moléstia de meu filhinho, que agoniza, há muitos dias…
— Desgraçado! O problema é seu, mas o meu caso será entregue à polícia.
E quando Torres, possesso, usa o telefone, discando para o delegado de plantão, meninos curiosos invadiam-lhe o jardim bem tratado, esmagando a plantação de cravos que lhe exigira imenso trabalho na véspera.
Exasperado, avançou para as crianças, ameaçando:
— Vagabundos! Larápios! Rua, rua!… Fora daqui!… Fora daqui!…
Daí a instantes, policiais atenciosos cercavam-lhe o domicílio e Torres regressou ao gabinete, qual se estivesse acordando de um pesadelo…
Da mesa, destacava-se minúsculo cartaz, em que releu o formoso dístico aí grafado por ele mesmo: — “Quando Jesus domina o coração, a vida está em paz.”
Atribulado, sentou-se.
Deteve-se novamente, na frase preciosa que escrevera, reconheceu quão fácil é ensinar com as palavras e quão difícil é instruir com os exemplos e, envergonhado, passou a refletir…
Seja a tua paciência Qual fonte que não se esgota. Arrojo sem disciplina É trilho para a derrota. () |
Coração, dirige o leme Que te regula o dever. Quem a si próprio se teme Nada mais tem a temer. () |
Tenha paciência. Se você não chega a dominar-se, debalde buscará o entendimento de quem não o compreende ainda. ()
Esta mensagem foi publicada originalmente em 1957 pela FEB e é a 28ª lição do livro “”