Instruções Psicofônicas

Capítulo XVI

Amarga experiência



Na noite de 24 de junho de 1954, tivemos a agradável e comovente surpresa da visita de um companheiro que, tempos atrás, fora assistido pelos 1nstrutores Espirituais, por intermédio de nosso Grupo.

Lembramo-nos de que, em seu primeiro contato conosco, trazia a mente obcecada por visões de ouro.

Regressando às nossas tarefas, na noite mencionada, deixou-nos a sua “amarga experiência”, que constitui, em verdade, uma grande lição para nós todos. Através dela, podemos observar como as ideias inferiores, com o tempo, se cristalizam em nossa alma, impondo-nos aflitiva fixação mental, decorrente de nossas próprias criações íntimas.

O irmão F…, nome pelo qual passaremos a designar o companheiro, cuja mensagem vamos transcrever, foi na Terra grande banqueiro. Certamente não foi um criminoso, na acepção comum do termo, mas, pelo conteúdo espiritual de suas manifestações, parece haver sido um desses homens “nem frios, nem quentes”, do símbolo evangélico, que, trazendo a mente amornada na ideia do ouro, durante a existência na carne, ficou por ela dominado em seus primeiros tempos, além da morte.


Senhores!

Perdoai-me o tratamento, entretanto, não me sinto ainda à altura de chamar-vos “amigos” ou “irmãos”.

Sou apenas um mendigo de retorno ao vosso templo de caridade, a fim de agradecer, ou simplesmente um homem desencarnado, em tremenda guerra consigo mesmo, para não se arrojar ao abismo da loucura, porquanto a loucura, quase sempre, resulta de nossa inconformação ante a realidade das situações e das coisas.

Com aprovação de vossos orientadores, venho trazer-vos o meu reconhecimento e algo de minha amarga experiência, como aviso de um náufrago aos viajantes do mundo.

Quantas vezes afirmei que o dinheiro era a solução da felicidade!…

Quanto tempo despendi, acreditando que a dominação financeira fosse o triunfo real na Terra!…

No entanto, a morte me assaltou em plena vida, assim como o tiro do caçador surpreende o pássaro desprevenido no mato inculto…

Como foi o meu desligamento do corpo físico e quantos dias dormi na sombra, por agora, nada sei dizer.

Sei hoje apenas que acordei no espaço estreito do sepulcro, com o pavor de um homem que se visse repentinamente enjaulado.

Sufocava-me a treva espessa. Horrível dispneia agitava-me todo. Queria o ar puro… Respirar… respirar…

E gritei por socorro. Meus brados, contudo, se perdiam sem eco.

Ao cabo de alguns instantes, notei que duas mãos vigorosas me soergueram e vi-me, depois de estranha sensação, na paz do campo, sorvendo o ar fresco da noite.

Que lugar era aquele? Uma casa sem teto?

De repente, a cambalear, reconheci-me rodeado de grandes caixas fortes…

Ao frouxo clarão da Lua, reparei que essas caixas fortes surgiam milagrosamente douradas…

Tateei-as com dificuldade, percebi palavras em alto-relevo e verifiquei que eram túmulos…

Espavorido, transpus apressado as grades daquela inesperada prisão. Vi-me, semilouco, na via pública. Devia ser noite alta. Na rua, quase ninguém…

Um bonde retardado apareceu. Achava-me doente, inquieto e exausto, mas ainda encontrei forças para clamar:

— Condutor!.. condutor!…

O homem, porém, não me ouviu. Caminhei mais depressa. Tomei o veículo em movimento e consegui a situação do pingente anônimo; todavia, com espanto, observei que o bonde era todo talhado em ouro…

As pessoas que o lotavam vestiam-se de ouro puro. O motorneiro envergava uniforme metálico.

Intrigado, sentia medo de mim mesmo. E, para distrair-me, tentei estabelecer uma conversação com vizinhos. Os circunstantes, porém, pareciam surdos. Ninguém me ouvia.

Vencendo embaraços indefiníveis, alcancei minha residência. As portas, no entanto, jaziam cerradas. Esmurrei, chamei, supliquei… Mas tudo era silêncio e quietação.

E quando fitei o frontispício do prédio, o ouro me cercava por todos os lados.

Acomodei-me no chão de ouro e tentei conciliar, debalde, o sono, até que, manhãzinha, a porta semi-aberta permitiu-me a entrada franca.

Tudo, porém, alterara-se em minha ausência. Ninguém me reconheceu.

Fatigado, avancei para meu leito… Mas o velho móvel apresentava-se-me agora em ouro maciço.

Senti sede e procurei a água simples, entretanto, o líquido que jorrava era ouro, ouro puro…

Faminto, busquei nosso antigo depósito de pão. O pão, todavia, transformara-se. Era precioso bloco de ouro, de cuja existência, até então, não tinha qualquer conhecimento em nossa casa.

Meditei… meditei… Todos os meus afeiçoados como que conspiravam contra mim… Não passava de intruso em minha própria moradia.

Dia terrível aquele em que reassumia ou tentava reassumir o meu contacto com os seres amados que, naturalmente, me deviam assistência e carinho!…

Depois de vastas reflexões julguei-me dementado. Assinalei, dentro de mim, a necessidade do amparo religioso. Iniciei dolorido exame de consciência.

Seria eu católico? Em verdade, se eu me houvesse consagrado à religião, não teria outra escola de fé.

Colaborara no erguimento de instituições pias. Conhecia pessoalmente o Senhor Arcebispo. Convivera com sacerdotes.

Frequentava, de quando em quando, as igrejas, por imperativos da vida social. Conhecia as obrigações do culto exterior. Aí de mim!… por que não obtinha o repouso necessário?

Passou o dia e veio a noite. Alta madrugada, tornei à via pública e nela perambulei, vacilante, procurando, através dos templos, alguma porta que se me descerrasse, acolhedora.

As igrejas, no entanto, estavam repletas. Movimento enorme. Mais tarde, vim a saber que outros desencarnados como eu imploravam socorro…

Vagueei… vagueei… até que atingi um santuário de bairro humilde. Amanhecia… Vários grupos de crentes chegavam para a missa. Gente simples, gente pobre.

Entrei. Conturbado e aflito, senti necessidade da confissão. Afinal, eu era um católico que relaxara a própria fé.

Sem que ninguém me escutasse os apelos, pedi a presença de um padre. Avancei para o confessionário e pus-me de joelhos, mas, em poucos momentos, o confessionário convertia-se para mim num guichê de banco.

Sobressaltado, ergui meus olhos para o altar. O altar, porém, transformara-se em cofre forte.

Intentei consolar-me com a visão do missal, mas o livro do culto, de repente, surgiu metamorfoseado num velho livro de minha propriedade, em que eu lançava, às ocultas, as minhas notas de rendimento real.

Diligenciei isolar-me. Temia a loucura completa.

Ainda assim, levantei meu olhar para a imagem da Virgem Maria. Naturalmente, ela teria pena de mim, contudo, ante a minha atenção, a imagem reduziu-se a uma joia de alto preço… Fez-se toda de ouro, de ouro puro…

Voltei-me para dentro de mim. Busquei orar, orar, orar… sem poder.

A missa começara e tive a esperança de que o momento reservado à Comunhão Eucarística seria aquele da visitação do Santíssimo Sacramento. O Santíssimo purificaria o lugar em que eu, pecador, me encontrava…

Todavia, quando alcei meus olhos para o sacerdote, que empunhava, então, o cálice sagrado, notei que as hóstias eram moedas tilintantes.

Horrorizado, tentei reconfortar-me com a visão da cruz… Procurei-a, acima do altar que se havia erigido em cofre forte, mas a cruz transformou-se também num grande cifrão…

Ó Deus! que restava, então, de mim, senão o usurário vencido?!…

Apavorado, tornei à rua. Sentia agora mais sede, muita sede…

Voltei-me para o corpo da igreja, como um filho expulso do próprio lar, contudo, não mais a vi.

Apenas, estranha voz no alto gritou aos meus ouvidos, ensurdecedoramente:

— Amigo, os filhos de Deus encontram nas casas de Deus aquilo que procuram… Procuravas o ouro… Ouro encontraste…

Qual mendigo desamparado, fugi sem destino. Queria agora apenas água, água pura que me dessedentasse.

Conhecia a cidade. Demandei uma caixa d’água que me era familiar no alto do bairro de Santo Antônio.

A água, ali, corria em jorros. Podia debruçar-me… Podia beber como se eu fora um animal e, prostrado, não mais de joelhos, mas de rastros, imploraria a graça de Deus.

Achei a água corrente, a água límpida visitada pela luz do sol e estirei-me no chão… Mas, no momento preciso em que meus lábios sequiosos tocaram o líquido puro, apenas o ouro, o ouro apareceu…

Reconheci haver descido à condição de um alienado mental. Lembrei-me, então, de velho amigo… Cícero Pereira…

Cícero era espírita e, por esse motivo, tornou-se para mim alguém que eu supunha, em minha triste cegueira, haver deixado na retaguarda da loucura.

Bastou a recordação para que a voz dele se me fizesse ouvida. Acudia-me ao chamado. Amparou-me. Conversou comigo.

Depois de algumas horas de esclarecimento, que eu não pude aquilatar com segurança, trouxe-me para junto de vós.

Sobre a mesa que vos serve, depararam-se-me folhas impressas que me pareceram cédulas valiosas.

Esforcei-me por fixar o Evangelho que compulsáveis no estudo, mas, contemplando o Livro Divino, nele identifiquei apenas um livro de cheques…

Não obstante atordoado, registrei-vos a palavra consoladora. Fui socorrido.

De imediato, quase nada pude reter de vossos apelos e ensinamentos. Contudo, depois de alguns dias, o benefício das exortações recebidas renovou-me o íntimo e, de amigos espirituais que presentemente me ajudam a recuperação, aceitei a incumbência de lidar com os associados de meu pretérito, velhos conhecidos e amigos que manejam o dinheiro do mundo, para, através deles, algo realizar que me possa refazer a esperança…

Desde então, tenho falado em espírito, com mais de mil pessoas, com mais de mil depositantes de ouro e preciosidades, suplicando atenção para a caridade…

Entretanto, qual aconteceu com as sentinelas da vida espiritual que me buscavam noutro tempo, tenho visto apenas ouvidos de mármore, cabeças de pedra e corações de gelo…

Somente agora, nesta semana, atingi um grande resultado. Aproximei-me, com êxito, de um homem que guardava algumas economias. Pude abeirar-me dele e dar-lhe um pensamento:

— “Oferecer um cobertor a uma viúva pobre.”

Ele acatou a sugestão. Comprou o cobertor e, em minha companhia, ele mesmo entregou essa esmola de agasalho a quem tinha frio!…

Então, pela primeira vez, depois da morte, uma nova alegria brotou de minhalma!…

Tenho hoje a ventura de crer que as visões do ouro terrestre ficarão para trás… Doravante, espalharei, de coração erguido a Jesus, o ouro do trabalho, o ouro do pão, o ouro da água, o ouro da prece…

Ó Senhor, que esses fios de algodão, dados de boa vontade, me envolvam também agora!… Sejam eles o primeiro sinal de minha definitiva renovação, a luz da prece de reconhecimento que venho, feliz, partilhar convosco!…

Senhores, muito obrigado! Que Deus vos recompense!…




Refere-se o comunicante a um dos bairros da cidade de Belo Horizonte.

Reporta-se a Cícero Pereira, batalhador da Causa Espírita, em Minas Gerais, .