Ao assumir, espontaneamente, o compromisso de transformar em livro as mensagens que o médium Xavier recebeu do Espírito de Vera Cruz Leitão Bertoni, praticamente todas com alusões ao universo franciscano, longe estávamos de supor que a tarefa viria a se nos afigurar muito acima de nossos recursos pessoais, por dois motivos: 1º) não poderíamos, num trabalho prevalentemente destinado ao coração, nos estender em considerações detalhadas, subordinando nosso esforço a um título como, por exemplo: “Espiritismo: chave para a exata compreensão do Franciscanismo”; 2º) por outro lado, ao nos reportar, ao que tudo indica, a uma franciscana reencarnada — possivelmente irmã da Ordem das Clarissas ou ligada à Ordem Terceira, em diversas existências pregressas —, deixar de nos referir a pelo menos alguns lances da vida e da obra daquele que tem sido considerado o Cristo da Idade Média — Francisco de Assis.
Ficamos, como se vê, num impasse.
Depois de muito meditar, dividindo o livro em duas partes, a primeira contendo as mensagens de Vera Cruz e suas respectivas análises, além dos índices, e a parte segunda com os Apêndices A e B, optamos pelo seguinte esquema: síntese biográfica do divino Poverello, nesta Introdução, contendo: as prováveis referências à sua iluminada missão, nas Obras Completas de Allan Kardec; os passos onde os Espíritos, através do médium Francisco Cândido Xavier, mencionam-lhe o nome, inclusive o livro onde se encontram transcritos os trechos antológicos da confortadora mensagem de Francisco de Assis, recebida pelo médium de Emmanuel, há quase seis lustros; transcrição, constituindo em capítulo próprio — uma espécie de exórdio —, da referida mensagem do Espírito de Francisco, por considerar que faltava a sua inclusão na obra mediúnica de Chico Xavier, não havendo melhor oportunidade para fazê-lo do que agora; tanto quanto possível, ao longo do estudo das mensagens do Espírito de Vera Cruz, resolvemos fazer aproximações com passagens dos escritos de Francisco de Assis, bem assim relembrando fatos de sua vida admirável, registrados nas biografias e legendas, crônicas e escritos congêneres, sempre nos prendendo ao lado moral, sem qualquer preocupação de ordem histórica, tentando seguir o método adotado por Allan Kardec ao estudar a vida de Jesus.
Entremos, portanto, na súmula biográfica do mais humilde de todos os filhos de Deus, que vieram à Terra, depois do Cristo.
“A vida de Francisco Bernardone (o verdadeiro nome foi Giovanni, mas o pai, rico mercador que frequentemente visitava a França, chamou o filho de “Francesco”, isto é, francês)” — di-lo G.D. Leoni — “é bastante conhecida; nem tem muito interesse para a leitura dos “Fioretti”. Todavia, eis as datas fundamentais: nasce em Assis (26 de setembro de 1182), na região italiana da Úmbria; passa a juventude na alegre companhia de amigos, até que uma doença o faz refletir sobre a fraqueza humana (1206): no mesmo ano outros sinais premonitores convertem definitivamente o jovem, que renuncia aos bens paternos e torna-se “esposo da obediência e da pobreza”; e se dedica à pobreza, à meditação, ao apostolado. Alguns companheiros o seguem (1209): Bernardo de Quintavalle, Pietro Cattani, Egídio de Assis e outros oito, que constituem o primeiro núcleo da nova Ordem, chamada dos Frades Menores, à qual se acrescenta pouco depois (1
212) a Ordem das Clarissas, fundada por Santa Clara. O papa Inocêncio III aprova “solo verbo” a regra franciscana, que será confirmada por Honório III (1223). À vida contemplativa o Santo substitui agora a vida ativa: organiza a Ordem, manda os primeiros missionários à França, Alemanha, Hungria, Espanha, Tunísia, Marrocos (onde se imolam os primeiros mártires) e ele mesmo embarca para o Oriente (1219-1220), indo evangelizar o Egito e visitando a Palestina. Volta à Itália, reorganiza a Ordem regular, institui a Ordem Terceira (1221), percorre a Península, pregando a humildade e a austeridade num ambiente cada vez mais corrupto e agitado. Mas o grande esforço das viagens e as rígidas penitências enfraquecem o corpo do Santo: começam o sofrimento e a glorificação terrena. Em 1224 recebe os Estigmas; um ano depois dita o “Cântico das Criaturas”; sofre com alegria, aconselha com piedade, morre serenamente, ao pôr do sol do dia 4 de outubro de 1226, com quarenta e quatro anos.”
Sobre o ano de nascimento e o dia de desencarnação de Francisco, os autores, respectivamente, ora apontam como sendo 1181, ora como sendo 1182, e 3 de outubro para uns, e 4 de outubro para outros.
De qualquer forma, Irmã Vera Cruz será talvez o primeiro trabalho, prematuro, não resta dúvida, comemorativo do 800º Aniversário de Nascimento do chamado Pai Seráfico, podendo, ainda, a nosso ver, tanto o médium Chico Xavier quanto a Autora Espiritual deste livro, passarem a ser considerados elementos pertencentes à IV Ordem Franciscana, à maneira do que se deu com o célebre escritor Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), se levarmos em consideração o que, disse, com muita propriedade, Mesquita Pimentel: “[A IV Ordem Franciscana] não é uma ordem no sentido canônico do termo. Não constitui uma associação, não tem regra, não impõe aos seus membros o uso de nenhum hábito… e a entrada para ela não obedece a nenhum ritual nem comporta nenhuma “profissão” explícita. Para fazer parte dela não é preciso ser piedoso, não é preciso, sequer, ser cristão. Duas condições apenas são requeridas: sentir vivo interesse pelos ideais franciscanos e mostrar esse interesse na publicação de algum escrito original.”
Percorrendo as Obras Completas de Allan Kardec, em português, e não encontrando qualquer referência a Francisco de Assis, resolvemos fazer um levantamento de todos os apóstolos e contemporâneos do Cristo; pais da Igreja; fundadores de religiões; teólogos e pastores protestantes que se comunicaram através dos canais mediúnicos, cujas mensagens foram objeto de estudo por parte do Codificador, bem como os que foram citados por ele, com relativo destaque.
No Apêndice A, o leitor encontrará a súmula da aludida e modesta pesquisa.
Na extensa e fecunda Obra Mediúnica de Francisco Cândido Xavier — percorrendo 181 livros, que vão do Parnaso de Além-Túmulo (1
932) a Livro de Respostas (1
980) —, encontramos excelente material constituído de estudos sobre alguns representantes do hagiológio católico, comunicados mediúnicos de teólogos e pastores protestantes, material esse que aparece resumido no Apêndice B, para onde remetemos o leitor interessado no assunto.
Um fato curioso a ser assinalado, é que consultando cerca de uma centena de trabalhos, incluindo artigos de jornais, reportagens em revistas e livros sobre Francisco de Assis, alguns deles famosos como, por exemplo, o de René Fulöp-Miller ; o do citado Chesterton ; as diversas traduções de “I Fioretti” ; os de Mario Von Galli ; Tomás de Celano ; São Boaventura ; e um que foi impresso, em agosto de 1977, pela Tipografia Porziuncola Santa Maria de los Angeles (Asis) , em nenhum deles encontramos qualquer nota desairosa contra o Espiritismo. Pelo contrário, em dois deles, encontramos algo que nos diz respeito.
No primeiro — São Francisco de Assis e o Brasil —, a Autora, depois de afirmar que desde Frei Henrique de Coimbra, “há sempre o rastro de um franciscano dentro da história do Brasil”, e transcrever trechos de cartas de Manoel da Nóbrega, o nosso Emmanuel de hoje , sobre a existência de franciscanos entre os índios carijós, descreve alguns fatos paranormais ocorridos em diversos conventos franciscanos do Brasil.
Na alentada obra que é Nosso Irmão Francisco de Assis , Frei Clarêncio Neotti, O.F.M., no capítulo “São Francisco no Brasil”, afirma: “Nem podemos aqui nos referir às centenas de capelas e vilarejos que tomaram o nome do Santo, e não por acaso. Hoje ainda, ao menos 12 municípios trazem seu nome, 4 dioceses lhe são dedicadas e, no mínimo, 85 paróquias o têm como padroeiro, sem lembrarmos o nome que Francisco deu a conventos masculinos e femininos, curatos, noviciados, colégios, faculdades, educandários, escolas paroquiais, escolas profissionais, asilos, creches, sanatórios, hospitais, firmas comerciais, engenhos, fábricas, ilhas, navios, portos, lanchas, rios, cidades, praças, ruas, centros espíritas, etc.”
Com efeito, confirmamos isso na cidade onde reside o médium Xavier, desde 5 de janeiro de 1959 — Uberaba —: existe um ribeirão com o nome de São Francisco , afluente do Rio Grande, que separa os municípios de Uberaba e Frutal, e aqui viveu um ilustre capuchinho — Frei Eugênio Maria de Gênova (nascido na cidade de Oneglia, Província de Gênova, Itália, a 4 de novembro de 1812, desencarnando em Uberaba, a 14 de junho de 1871, aos 59 anos de idade) —, que foi o fundador da Santa Casa de Misericórdia, segundo José Mendonça , cujo patrono é São Francisco de Assis .
Antes de concluir, pretendemos transcrever ligeiros tópicos de dois livros do distinto escritor espírita e cientista italiano Ernesto Bozzano, os quais indiretamente dizem respeito a Francisco de Assis.
O primeiro deles, retiramos de Pensamento e Vontade :
“Assim é que os santos sempre foram vistos com essa mesma auréola, cuja existência acaba de revelar-se sobre a sua fronte.”
“A revista Light” — prossegue — “reproduz a fotografia em apreço, na qual se verifica que a auréola do arcediago Colley é absolutamente análoga às que aparecem nas fotografias transcendentais.
Conhecem-se, ao demais, várias outras fotografias idênticas, de pessoas que, no momento de as tirar, estavam absorvidas por cogitações profundas.
Justo fora, portanto, inferir que, nestes casos, a auréola corresponde à substância fluídica, ou etérica, desprendida do órgão cerebral, quando intensamente trabalhado pelo pensamento, tal como nas fotografias de cooperação mediúnica e nas aparições de formas transcendentais, essa auréola se forma da substância fluídica desprendida pelo médium, e graças à qual fotografáveis se tornam as imagens criadas pelo pensamento dos assistentes, ou pela vontade dos desencarnados.”
O segundo, retiramo-lo da obra-prima que é Animismo ou Espiritismo? :
“Nos Annales des Sciences Psychiques, ano de 1899, pág. 257, é narrado o caso do engenheiro E. Lacoste que, atacado de grave congestão cerebral, complicada de febre tifóide, permaneceu em estado de inconsciência e de delírio por mais de um mês, dando, durante este tempo, prova de possuir faculdades telepáticas e telestésicas. Entre outros fenômenos que produziu, anunciou um dia a chegada a Marselha (ele residia em Tolosa) de seis caixas com alfaias, esperadas, de há muito, do Brasil e acrescentou que era preciso recusá-las ou apresentar uma reclamação, porquanto uma delas fora substituída, precisamente a que continha os retratos, as capas, os vestuários, assim como diversos outros objetos de valor. Verificou-se que tudo correspondia plenamente à verdade e que na caixa que substituíra a outra apenas havia coisas que nada valiam. Ora, indubitavelmente, o engenheiro Lacoste não se creria depositário inconsciente de faculdades paranormais, se, para testificar-lho, não lhe houvesse sobrevindo uma enfermidade grave.”
Sobre o fenômeno da estigmatização, de que trata o Cap. III do Segundo Livro (Primeira Vida, de Tomás de Celano), consultemos, não apenas as páginas 95-96 de Pensamento e Vontade, de Ernesto Bozzano, mas o Cap. II, item VI, Segunda Parte, Livro Primeiro da obra-prima que é Do Inconsciente ao Consciente, do Dr. D. Gustavo Geley .
Resta-nos esclarecer que os trechos de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, que colocamos ao final de cada capítulo, se referem às passagens sublinhadas ou colocadas entre dois “x”, pela Autora Espiritual, quando na Terra, ao fazer a leitura daquele admirável código de luz, demonstrando, com efeito, tratar-se de Espírito detentor de cultura religiosa, naturalmente adquirida no pretérito, dono de apurado gosto de escolha.
Não nos sendo possível prosseguir, em respeito à paciência do leitor, que possamos encerrar esta já extensa Introdução, lembrando-nos com Francisco de Assis, em clima de prece, de que em relação não somente a Jesus, mas a Allan Kardec, precisa cada um de nós se transformar em instrumento de sua paz; em pegureiro do amor, onde houver ódio; do perdão, onde houver ofensa; da união, onde houver discórdia; da fé, onde houver a dúvida; da verdade, onde houver erros; da esperança, onde houver desespero; da alegria, onde houver tristeza; que cada um leve a luz, onde houver trevas; que procure mais consolar que ser consolado; mais compreender que ser compreendido; amar do que ser amado, já que sabemos que é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado; e que é nos desenfaixando do corpo físico, através da desencarnação, aguardando o momento propício de retorno à paisagem terrestre, mediante a Reencarnação, que viveremos para sempre na plenitude da Vida Imortal.
Uberaba, 18 de Abril de 1980.
“I Fioretti” de S. Francisco (seguidos do Cântico do Sol), Prefácio e notas de G.D. Leoni, Trad. de Adelino Capistrano, Edições de Ouro, MCMLVI, pp. 11-12.
Pierre Larousse, em seu Grand Dictionnaire Universel (Tome Huitième), registra o ano de 1182; para Wilson João (O Francisco que está em você — Vida de S. Francisco de Assis para o homem de hoje, 3ª adição, Edições Paulinas, São Paulo, 1978, pp. 141-142), o ano é o de 1182 e o dia é 3 de outubro; para o Frei Hugo D. Baggio, O.F.M., (Francisco mostra o caminho, Editora Vozes Ltda., Petrópolis, RJ, 1972, pp. 9 e 18), o ano é 1181 ou 1182, e o dia 3 de outubro; finalmente para Deodato Ferreira Leite (Francisco, Cantor da Paz e da Alegria, 3ª edição. Edições Paulinas, 1977, pp. 13 e 291), o ano de nascimento é o de 1182, e o dia de desencarnação de Francisco é 3 de outubro, sábado.
In Frei Hugo D. Baggio, O.F.M., Francisco mostre o caminho, p. 98.
René Fulöp-Miller, Os Santos Que Abalaram o Mundo — Antão, Agostinho, Francisco, Inácio, Teresa, Trad. de Oscar Mendes, 3ª edição, Livraria José Olympio Editora, Rio, 1950, pp. 167-291.
G. K. Chesterton, São Francisco de Assis, Trad. de J. Carvalho, 4ª edição, Casa Editora Vecchi Ltda., Rio de Janeiro, MCMLXI.
I Fioretti de São Francisco de Assis, Traduzidos por Durval de Morais, 5ª edição, Vozes, 1973; Florinhas do Glorioso São Francisco e Seus Frades, Tradução, Introdução e Notas do P. Aloysio Thomás Gonçalves, Editorial Franciacana, Braga, 1960.
Mário Von Galli, Francisco de Assis: O Santo que Viveu o Futuro, Trad. da Equipe da Loyola, Edições Loyola, São Paulo, s/d.
Tomás de Celano, Vida de São Francisco de Assis, Tradução do original latino por Frei José Carlos C. Pedroso, O.F.M. CAP., 3ª edição, Vozes, 1978.
São Boaventura, Legenda Maior e Legenda Menor (Vida de São Francisco de Assis), Trad. de Fr. Romano Zago, O.F.M., Vozes, 1979.
Valentin Turetta, San Francisco de Asis, Ilustraciones del Profesor G. Biuotto (Traducción española: Ignacio Omaechevarria, ofm, Casa Editrice Franciscana, Assisi.
Sophia A. Lyra, São Francisco de Assis e o Brasil, Livraria José Olympio Editora, Rio, 1978, pp. 3; 37; 44; 76-77 e 101.
Sobre Emmanuel e algumas de suas vides anteriores, inclusive quando tomou o nome de Manoel da Nóbrega, o leitor encontrará informações detalhadas e referências bibliográficas em nossa modesta (Francisco Cândido Xavier/Emmanuel, Organização e Notas de Salvador Gentile e Hércio Marcos Cintra Arantes, 1ª edição, IDE, Araras (SP), 1972), pp. 6-10.
Ildefonso Silveira, Fidélis 5ering, Fernando A. Figueiredo, Constantino Koser, Leonardo Boff, Alberto Beckhauser, Constâncio Nogara, Mateus Hoepers, Paulo Evaristo Arns, Raimundo Vier, Clarêncio Neotti (Coordenador), Nosso Irmão Francisco de Assis, Vozes, 1975, p. 249.
Hildebrando Pontes, História de Uberaba e a Civilização no Brasil Central, Edição Academia de Letras do Triangulo Mineiro, 1979, p. 344.
José Mendonça, História de Uberaba, Edição Academia de Letras do Triângulo Mineiro — Bolsa de Publicações do Município de Uberaba, 1974, pp. 39; 47 e 51.
Borges Sampaio, Uberaba: História, Fatos e Homens, Edição Academia de Letras do triângulo Mineiro — Bolsa de Publicações do Município de Uberaba, 1971, p. 181.
Ernesto Bozzano, Pensamento e Vontade, Traduzido da versão francesa por M. Quintão, FEB, Rio, 4ª edição, 1970, pp. 43-44.
Ernesto Bozzano, Animismo ou Espiritismo?, Trad. de Guillon Ribeiro, FEB, Rio, 2ª edição, 1951, pp. 19-20.
Dr. D. Guatavo Geley, Del Inconsciente al Consciente, Traducción Española de Quintin Lopes Gomez, Case Editorial Maucci, Barcelona, s/d., PP. 99-100.