O “homem velho”, agarrado aos impulsos da animalidade primitiva, será sempre um monumento de incompreensão.
Ensina a paz, fomentando a guerra; fala em amor, praticando o ódio; prega a concórdia, incentivando a desunião entre as criaturas. Onde a sua atitude, no entanto, é das mais absurdas, é no terreno da verdade, como base à fé viva.
Ele paga o aluguel da casa que lhe abriga o corpo.
Liquida mensalmente os débitos da luz elétrica.
Adquire com esforço o comprimido que lhe atenua a dor de cabeça.
Recompensa o palhaço que lhe desopila o fígado.
Remunera o rapaz do hotel que lhe serve a mesa.
Compra bilhetes de trem e passagens de ônibus.
É obrigado a saldar as contas do armazém e da lavadeira, se não quer passar fome e respirar a imundície.
Adquire, a preço alto, os próprios prazeres baixos do instinto, que lhe desgastam a saúde, desfiguram o caráter e agravam a cegueira.
Entretanto, exige a verdade sem esforço próprio, a iluminação espiritual sem trabalho de elevação íntima.
Paga o prato de batatas no Plano inferior e reclama, gratuitamente, a luz eterna, como se o conhecimento divino fosse prêmio à ociosidade.
É por isso que a perturbação se estabelece para os invigilantes, quando se cogita de observar a verdade, em meio da multidão.
Se a dúvida pode significar um estado superior para a mentalidade científica, é, também, no campo da fé, um limite justo à incapacidade espiritual.
Os que não trabalham no mundo da carne são indignos do pão do corpo. Os ociosos do entendimento não são dignos do pão do espírito.
Por esse motivo, observando a verdade, aquele que a investiga, inconscientemente, toma de sua palavra sem sons articulados e repete, em silêncio, a frase dos antigos: — “não vá, sapateiro, além das sandálias”.
Citação de Plínio, o Velho (Naturalis Historia 35.36.85 - XXXV, 10,
36) “Ne sutor ultra crepidam”