Lázaro Redivivo - capa

Lázaro Redivivo

Capítulo XXVI
Ilustração tribal

Na edificação



Os ociosos de todos os tempos sempre encontram infinitos recursos, para escapar ao círculo das obrigações que lhes competem. Comumente, estão queixosos e desalentados. Para eles, os melhores cargos estão providos, no templo de serviço em que trabalham; as maiores realizações já foram levadas a efeito; as estações do ano trazem variações decisivas que os compelem à permanência no lar; as relações sociais são algemas que os agrilhoam às longas conversações, os menores sintomas de enfermidade constituem ensejo a dilatadas teorias sobre diagnoses diversas. Estão rodeados de obstáculos e não realizam coisa alguma. Gastam fortunas para que ninguém os aborreça e se alguém lhes pede contas dessa ou daquela edificação, explicam que não tiveram sorte, essa sorte por eles transformada num gênio cego que distribui os favores divinos, a torto e a direito.

Assim acontece, igualmente, no campo das realizações de ordem espiritual. É incontável o número de pessoas que se aproximam das fontes espiritistas, afirmando-se desejosas de iluminação. Querem as bênçãos da Esfera superior, desejam aquisições mediúnicas, pretendem participar dos serviços de auxílio. Entretanto, em todos os cometimentos do progresso legítimo, o problema da construção não se resume à palavra. É necessário dispor de material efetivo na concretização dos propósitos elevados. A casa reclama pedra e cal. A ferrovia pede trilhos adequados. A usina solicita aparelhagem. Se, na vida física, há necessidade do aproveitamento de recursos vivos e substanciais, como dispensar a boa vontade e os valores do homem, nas edificações do espírito?

Inúmeros corações dirigem-se a nós, suplicando auxílio, mas, como lhes ministrar o socorro fraterno? Esperam que as almas desencarnadas lhes tomem a iniciativa, subtraindo-os a toda espécie de responsabilidades e preocupações.

Que movimento doutrinário, porém, seria esse em que os amigos experientes, a pretexto de proteção e socorro, instituiriam o regime da irresponsabilidade e da preguiça sistemática? Estariam os mortos tão desocupados, não recebendo da vida outra obrigação que essa de converter a grande universidade da existência humana em simples jardim da infância?

Bondosos amigos nossos comparecem às reuniões do Espiritismo e aguardam fenômenos estupefacientes. Intentam consolidar a fé e se dizem necessitados de paz íntima; todavia, esperam as manifestações maravilhosas dos desencarnados, como se todas as suas construções interiores dependessem disso. Às vezes, recebem o que pedem, mas ficam na situação do espectador que se espantou no circo, vendo as acrobacias do atleta, dançando numa corda frágil, a quinze metros de altura, ou contemplando, boquiaberto, o mágico que engole fogo. Findo o espetáculo, volta para casa, a fim de atender às obrigações pertinentes à família e à rotina de luta redentora. Ocorre o mesmo nas observações espirituais. Terminada a injeção de emotividade, o estudante, o crente e o investigador regressam ao campo habitual, onde os deveres de cada dia lhes aguardam o testemunho de amor e compreensão.

Daí essa necessidade de renovação do pensamento que os desencarnados esclarecidos apregoam.

Muitos companheiros se aproximam de nosso Plano e pedem qualidades de cooperação, esquecendo-se, porém, de que eles são portadores delas. Apenas necessitam dilatá-las, com educação e proveito. Esse desenvolvimento, contudo, não pode ser uma realização do exterior para o interior. Não são os Espíritos que desenvolvem os médiuns e sim estes que apuram as faculdades receptivas, alargando as suas possibilidades de colaboração e valorizando-as pelo estudo constante e pela aplicação própria às obras da verdade e do bem.

Que dizer de uma pessoa que aspira ao diploma de médico, detestando os doentes? Como apreciar o falador pedante que deseja cooperar nos serviços da sabedoria, mantendo-se nos círculos escuros da ignorância? Outros propõem-se a receber a luz brilhante do cume, entretanto, sentem receio do caminho. Temem as pedras, os espinhos e as serpentes prováveis, talvez ocultas nas várias regiões que separam o vale da montanha. Obrigá-los a ajudar o enfermo, a soletrar o alfabeto e a fugir das tentações, não é atitude compatível com a lei de vida e liberdade que nos rege.

O próprio Jesus, segundo a venerável lição do Evangelista,(Jo 10:9) permanece à porta e bate. Se alguém abrir, Ele entrará com as bênçãos divinas. Ele, o Mestre, traz a sabedoria, o amor, a luz e a revelação, mas não tem a chave, que pertence ao aprendiz, filho de Deus e herdeiro da vida eterna, como Ele próprio. Poderia, efetivamente, violentar a habitação e destruir o impedimento. Foi o Cristo, Senhor e Organizador do Planeta, quem forneceu ao usufrutuário do mundo a matéria-prima para a edificação temporária em que se mantém, mas, Administrador Consciencioso e Justo, sabe que, acima de tudo, permanece a autoridade do Pai, e espera, nos casos de rebeldia e endurecimento, que o Doador Universal se manifeste. E, por vezes, a ordem suprema é de bombardeio demolidor. Aí, então, não há necessidade de chave para a abertura. Os impactos diretos do sofrimento modificam a habitação, apenas com a circunstância desagradável de que o dono por muito tempo se aprisiona na perturbação e na dor, antes de retomar a oportunidade de nova construção.


(.Humberto de Campos)