O Gênio do Bem e o Gênio do Mal aproximaram-se simultaneamente do Homem e ocuparam-lhe as antenas receptivas da mente, disputando-lhe a colaboração.
Empenhado na construção do Reino de Deus, sobre a Terra, o Gênio do Bem, mais poderoso e mais forte, assoprou-lhe a fronte, desanuviando-a, e notificou-lhe, através do “sem fio” do pensamento:
— Filho meu, venho abrir-te caminho para a luz eterna. Arrebatar-te-ei a sublimes culminâncias. Integrarás o séquito de cooperadores do Altíssimo. Com o teu concurso, o planeta libertar-se-á da peste, da fome e da guerra e o paraíso brilhará entre as criaturas…
Fremia o Homem de gozo íntimo.
O nume celeste, porém, passou a relacionar as condições:
— Para esse fim, iniciarás os serviços renunciando às facilidades humanas.
Regozijar-te-ás quando fores desprezado.
Servirás sem descanso.
Nunca reclamarás recompensa.
Ajudarás ao necessitado que se perdeu no sofrimento e ao ímpio que se precipitou nos despenhadeiros da ignorância.
Alegrar-te-ás com a prosperidade de todos e preferirás o sacrifício de ti mesmo.
Rejubilar-te-ás com o êxito de teus amigos, tanto quanto lhes partilharás a dor.
Não te deterás sobre as imperfeições de ninguém; entretanto, vigiarás, dia e noite, os teus próprios defeitos, de maneira a corrigi-los definitivamente.
Confiarás no Senhor de modo invariável, ainda mesmo quando o desânimo te assedie por todos os lados.
Não pleitearás o incenso bajulatório.
Fixar-te-ás no dever, acima de todas as considerações, convicto de que toda a glória pertence ao Criador.
Estimarás os que te não compreendam.
Desculparás, centenas de vezes, diariamente.
Não perderás tempo na curiosidade vazia. Consagrar-te-ás à prática do bem, sem perguntas vãs.
Não te prenderás aos resultados da ação, para que os cárceres floridos não te surpreendam a alma.
Colaborarás no bem de todos, aprendendo a servir.
E, sobretudo, não te esqueças de que só o amor sacrificial te conferirá energias e recursos para a obra imortal que proponho.
Interrompeu-se o anjo, e o Homem, longe de entusiasmar-se com a oferta, entregou-se a profunda estranheza…
Nesse instante, o Gênio do Mal, interessado na conservação do império do “eu”, assoprou-lhe a fronte turvou-a com o magnetismo da ilusão e falou:
— Meu filho, não te preocupes com os ideais superiores.
As estrelas são maravilhosas lâmpadas no firmamento, mas são inalcançáveis.
Auxilia-me a conservar a Terra tal qual é, para que a luz nos não incomode o milenário serviço de sombras.
Alarga a tua gaiola e põe as almas desprevenidas dentro dela.
Prende nas mãos os que se acerquem de teu roteiro.
Jamais perdoes, porque perdão é fraqueza…
Antes de ser bom, preocupa-te em não seres tolo.
A renúncia é a arte dos covardes.
Se alguma bomba te ameaça o domicílio, trata de colocá-la à porta do vizinho.
Nunca te sacrifiques por ninguém.
Concentra-te nos lucros imediatos e multiplica vantagens e direitos.
Quando não encontrares cortejadores do teu nome, diligencia o louvor em boca própria.
Não cogites de muita construção elevada, mas não te esqueças de boa e contínua propaganda de ti mesmo.
Pensa em ti noventa e nove vezes e reflete nos interesses dos outros apenas uma vez em cada cem, caso te seja isso possível. Assim vencerás.
Não acredites em paz, fora de teu leito ou de tua mesa, nem gastes tempo com o mito da fraternidade universal.
Amontoa pedras preciosas e ouro puro, convertendo-os em forte coluna no cimo do qual possas conversar tranquilamente com os teus semelhantes.
Recorda que a trincheira monetária é o único lugar do planeta em que respirarás suficientemente seguro.
Em troca de tua colaboração valiosa — e o portador do mal fez carantonha diabólica — auxiliar-te-ei a obter boa casa, cama confortadora, prazeres e comida farta.
O Homem acabou de registrar a proposta no pensamento e quase enlouqueceu de alegria. Incumbiu-se, ele mesmo, de desligar-se da influência do Gênio do Bem e confiou-se, desvairado, ao Gênio do Mal.
O mensageiro do Céu viu-se posto à margem e o satânico inspirador, lançando-lhe sarcástico olhar, desafiou:
— Então? Não me arrebatarás o aliado incondicional?!…
Reparando, contudo, que o emissário divino permaneceu calado, bradou, estentórico:
— Por que não confundes o Homem com o teu poder e sabedoria?
O interpelado respondeu sem irritar-se:
— Tenho mais quefazeres e não me cabe despender as horas em contendas inúteis. O assunto, porém, não está liquidado. Se o Gênio da Dor não passar por aqui em breves dias, voltarei, mais tarde, em companhia do Gênio da Morte…
E afastou-se, rápido, certamente no intuito de dirigir-se a outros homens.