Quando o Mestre iniciou os serviços do Reino Celeste, em torno das águas do Genesaré, assinalando-se por indiscutíveis triunfos no socorro aos aflitos e comentando-se-lhe as disposições de receber companheiros e aprendizes, muita gente apareceu ávida de novidade, pretendendo o discipulado. Não seria agradável seguir aquele homem divino, que restaurava a saúde dos paralíticos e abria novos horizontes à fé? A palavra, d’Ele, repassada de amor, falava de um reino porvindouro, onde os aflitos seriam consolados. Suas mãos, como que tocadas de luz sublime, distribuíam paz e bem-aventurança, bom ânimo e alegria. Acompanhá-lo seria serviço tentador.
Em razão disso, muito grande era o número de mulheres e homens que O buscavam diariamente.
Acreditava-se em nova ordem política na província. Sobrariam talvez posições importantes e remunerações expressivas.
Mães esperançadas procuravam confiar os filhos ao Messias Nazareno. Jovens e velhos entusiastas vinham, de longe, de modo a se colocarem na dependência d’Ele. Para quantos que se lhe apresentavam, voluntariamente, pronunciava uma frase amiga, mostrava um sorriso benévolo, fixava um gesto confortador.
Foi assim que, em radiosa manhã, quando o Senhor descansava na residência de Levi, por alguns minutos, apeou de uma liteira adornada certo cavalheiro a caracterizar-se pelo extremo apuro.
O recém-chegado tratou, célere, do objetivo que o trazia. Interpelou o Cristo, diretamente. Queria o discipulado. Ouvira comentários ao novo Reino e desejava candidatar-se a ele. Sobretudo — esclareceu, fluente —, honrar-se-ia acompanhando o Mestre, ao longo de todas as suas pregações e ensinamentos.
O Profeta contemplou-lhe a indumentária brilhante e perguntou:
— Em verdade, aceitas os testemunhos do apostolado?
— Perfeitamente — replicou o moço, cortês.
— Hoje — disse o Mestre, após longa pausa —, temos em Cafarnaum dois loucos agonizantes, num telheiro junto à casa de Pedro, reclamando cooperação fraternal. Poderás ajudar-nos a socorrê-los?
O rapaz franziu a testa e acentuou:
— Não hesitaria. Entretanto, sou armeiro de Fassur, principal da casa de Herodes e guardo esse título com veneração. A um pajem de minha estirpe não ficaria adequado semelhante serviço. Os nobres da raça poderiam identificar-me. A crítica não me perdoaria e talvez não pudesse satisfazer a incumbência.
Jesus não se irritou.
Contemplando o interlocutor surpreendido, propôs, bondosamente:
— Duas órfãs estão em casa de Joana, aguardando mão carinhosa que as ampare. Quem sabe? Dispondo de tantas relações prestigiosas, não conseguirias encaminhá-las a destino edificante? São meninas necessitadas de proteção sadia.
— Oh! não posso! — exclamou o noviço, escandalizado — sou explicador dos textos de Ezequiel e dos trenos de Jeremias, fora de Jerusalém. Documentação de sacerdotes ilustres aprova-me a cultura sagrada. A um intérprete do Testamento, de minha condição, não quadraria a oferta de crianças desprezadas… Como vemos…
Sem alterar-se, o Mestre lembrou:
— Um paralítico moribundo foi recolhido à casa de Filipe. Veio transportado de grande distância, pleiteando a cura impossível. Está cansado, aflito, e Filipe permanece ausente em missão de socorro… Se lhe desses dois dias de assistência piedosa, praticarias nobre ação…
— É impraticável! — tornou o rapaz — sou fiscal das disposições do Levítico e, nessa função, provavelmente seria compelido a isolar o enfermo no vale dos imundos… A medida é imperiosa se ele houver ingerido carnes impuras.
O Senhor esboçou um sorriso e agradeceu. Insistindo, porém, o interlocutor, Jesus indagou:
— Que pretendes, enfim?
— Garantir futura representação do Reino que se aproxima…
O Nazareno fitou nele o olhar translúcido e redarguiu:
— Erraste o caminho. Naturalmente o teu carro deve seguir para Jerusalém, onde se concentram todos aqueles que distribuem cargos bem pagos.
— Mas, reitero a solicitação — disse o armeiro de Fassur —, quero colocar-me dentro da nova ordem!…
Apesar do imperativo que transparecia daquela voz, o Mestre finalizou, muito calmo:
— Prossegue em teu caminho e não teimes. Realmente, reclamamos companheiros para o ministério. Já possuis, todavia, muitos títulos de inibição e o Evangelho precisa justamente de corações desembaraçados que estejam prontos ao necessário auxílio em nome de Nosso Pai.
O explicador dos textos de Ezequiel deu uma gargalhada, olhou para o Messias evidenciando inexcedível sarcasmo, qual se houvera defrontado um louco, e partiu sem compreender.