Dizem que o Supremo Senhor, após situar na Terra os primeiros homens, dividindo-os em raças diversas, esperou, anos e anos, pela adesão deles ao Bem Eterno. Criando a todos para a liberdade, aguardou pacientemente que cada um construísse o seu próprio mundo de sabedoria e felicidade. À vista disso, com surpresa, começou a ouvir do Planeta Terrestre, ao invés de gratidão e louvor, unicamente desespero e lágrimas, blasfêmias e imprecações, até que, um dia, os mais instruídos, amparados no prestígio de Embaixadores Angélicos, se elevaram até Deus, a fim de suplicarem providências especiais. E, prosternados diante do Todo-Poderoso, rogaram cada qual por sua vez:
— Pai, tem misericórdia de nós!… Repartimos a Terra, mas não nos entendemos… Todos reprovamos o egoísmo; no entanto, a ambição nos enlouquece e, um por um, aspiramos a possuir o maior quinhão!…
— Oh! Senhor!… Auxilia-nos!… Deste-nos a autonomia; contudo, de que modo manejá-la com segurança? Instituíste-nos códigos de amparo mútuo; no entanto, ai de nós!… Caímos, a cada passo, pelos abusos de nossas prerrogativas!…
— Santo dos Santos, socorre-nos por piedade!… Concedeste-nos a paz e hostilizamo-nos uns aos outros. Reuniste-nos debaixo do mesmo Sol!… Nós, porém, desastradamente, em nossos desvarios, na conquista de domínio, inventamos a guerra… Ferimo-nos e ensanguentamo-nos, à maneira de feras no campo, como se não tivéssemos, dada por ti, a luz da razão!…
— Pai Amantíssimo, enriqueceste-nos com os preceitos da justiça; todavia, na disputa de posições indébitas, estudamos os melhores meios de nos enganarmos reciprocamente, e, muitas vezes, convertermos as nossas relações em armadilhas nas quais os mais astuciosos transfiguram os mais simples em vítimas de alucinadoras paixões… Ajuda-nos e liberta-nos do mal!…
— Ó Deus de Infinita Bondade, intervém a nosso favor! Inflamaste-nos os corações com a chama do gênio, mas habitualmente resvalamos para os despenhadeiros do vício… Em muitas ocasiões, valemo-nos do raciocínio e da emoção para sugerir a delinquência ou envenenar-nos no desperdício de forças, escorregando para as trevas da enfermidade e da morte!…
Conta-se que o Todo-Misericordioso contemplou os habitantes da Terra, com imensa tristeza, e exclamou, amorosamente:
— Ah! meus filhos!… meus filhos!… Apesar de tudo, eu vos criei livres e livres sereis para sempre, porque, em nenhum lugar do Universo, aprovarei princípios de escravidão!…
— Oh! Senhor — soluçaram os homens —, compadece-te então de nós e renova-nos o futuro!… Queremos acertar, queremos ser bons!…
O Todo-Sábio meditou, meditou…
Depois de alguns minutos, falou comovido:
— Não posso modificar as Leis Eternas. Dei-vos o Orbe Terreno e sois independentes para estabelecer nele a base de vossa ascensão aos Planos Superiores. Tereis, constantemente e seja onde for, o que fizerdes, em função de vosso próprio livre arbítrio!… Conceder-vos-ei, porém, um tesouro de vida e renovação, no qual, se quiserdes, conseguireis engrandecer o progresso e abrilhantar o Planeta… Nesse escrínio de inteligência e de amor, disporeis de todos os recursos para solidificar a fraternidade, dignificar a ciência, edificar o bem comum e elevar o direito… De um modo ou de outro, todos tereis, doravante, esse tesouro vivo; ao vosso lado, em qualquer parte da Terra, a fim de que possais aperfeiçoar o mundo e santificar o porvir!…
Dito isso, o Senhor Supremo entrou nos Tabernáculos Eternos e voltou de lá trazendo um ser pequenino nos braços paternais…
Nesse augusto momento, os atormentados filhos da Terra receberam de Deus a primeira criança.