Mãe Antologia Mediúnica

Capítulo XXXIX

Auta de Souza



Nascida em 12 de Setembro de 1876 em Macaíba, Rio Grande do Norte, desencarnou em 7 de Fevereiro de 1901, portanto, aos 24 anos, em Natal. Deixou um único livro, Horto, cuja primeira edição, prefaciada por Olavo Bilac, em Outubro de 1899, apareceu em 1900 e se esgotou em três meses. A segunda edição, feita em Paris, em 1910, traz uma biografia da Autora por H. Castriano. Finalmente, teve uma terceira edição no Rio de Janeiro, em 1936, prefaciada por Alceu de Amoroso Lima. Espírito melancólico, sofredor, muito místico. Seu estilo simples e triste se reproduz perfeitamente nestes versos mediúnicos.


ALMAS DILACERADAS

Quando, em dores, na Terra inda vivia

Caminhando em aspérrimas estradas,

Via presas do pranto e da agonia,

Almas feridas e dilaceradas.


Escutava a miséria que gemia

Dentro da noite de ânsias torturadas,

Treva espessa da senda tão sombria

Das criaturas desesperançadas.


E eu, que era irmã dos grandes sofredores,

Sofria, crendo que tais amargores

Encontrariam termos desejados.


E confiada na crença que tivera,

Cheguei à luz da eterna primavera,

Onde há paz para os pobres desgraçados.


CONTRASTES

Existe tanta dor desconhecida

Ferindo as almas pelo mundo em fora,

Tanto amargor de espírito que chora

Em cansaços nas lutas pela vida;


E há também os reflexos da aurora

De ventura, que torna a alma florida,

A alegria fulgente e estremecida,

Aureolada de luz confortadora.


Há, porém, tanta dor em demasia,

Sobrepujando instantes de alegria,

Tal desalento e tantas desventuras,


Que o coração dormente, a pleno gozo,

Deve fugir das horas de repouso,

Minorando as alheias amarguras.


MÁGOA

Muitas vezes sonhei na Terra ingrata

O paraíso doce da ventura,

Vendo somente o espinho da amargura

Que as nossas tristes lágrimas desata;


Somente a dor intérmina que mata

A alegria mais lúcida e mais pura,

O veneno da acerba desventura

Que fere em nós a aspiração mais grata.


Se apenas vi porém, a mágoa intensa

Que rouba a luz, o amor, a paz e a crença,

É que a dor da minhalma em tudo eu via.


E aumentava minha íntima tristeza

Vendo em tudo, na própria Natureza,

A mesma dor que eu tanto padecia.


HORA EXTREMA

Quando exalei meus últimos alentos

Nesse mundo de mágoas e de dores,

Senti meu ser fugindo aos amargores

Dos meus dias tristonhos, nevoentos.


A tortura dos últimos momentos

Era o fim dos meus sonhos promissores,

Do meu viver sem luz, sem paz, sem flores,

Que se extinguia em atros sofrimentos.


Senti, porém, minhalma sofredora

Mergulhada nas brisas de uma aurora,

Sem as sombras da dor e da agonia…


Então parti, serena e jubilosa,

Em demanda da estrada esplendorosa

Que nos conduz às plagas da harmonia!


EM PAZ

Tanto roguei a paz consoladora,

Durante os meus amargos sofrimentos,

Elevando a Jesus meus pensamentos,

Que recebi a paz confortadora!…


Sentindo-me feliz, ditosa agora,

Nessas paragens de deslumbramentos,

Onde terminam todos os tormentos

Que inundam de amargor a alma que chora.


Jesus! doce Jesus meigo e bondoso,

Quanto agradeço a paz que concedestes

Ao meu viver tristonho e doloroso!


E desse lindo oásis encantado,

Canto de luz dos páramos celestes,

Bendigo o vosso amor ilimitado!


EM ÊXTASE

Aos teus pés, meu Jesus a vida inteira,

Abrasada de amor eu viveria,

Sorvendo a luz no cálix da harmonia,

Em paz serena, eterna e derradeira!…


Por teu amor, Jesus inda quisera

Volver ao pó da carne dos mortais,

Para cantar a terna primavera

Do teu amor nas lutas terrenais,


Depois da treva espessa da amargura;

Para exaltar as luzes que me deste

Na cariciosa e doce paz celeste,

Meu tesouro de fúlgida ventura;


Para contar tua bondade imensa

Aos meus irmãos, os homens pecadores,

Mergulhados na noite da descrença,

Nos abismos dos males e das dores;


Para falar a todas as criaturas,

Da tua alma esplendente de bondade,

Afastando as amargas desventuras

Do coração da pobre Humanidade!


Aos teus pés meu Jesus a vida inteira,

Abrasada de amor eu viveria,

Sorvendo a luz no cálix da harmonia,

Em paz serena, eterna e derradeira!..


MÃE

Ó minha santa mãe! era bem certo

Que entre as preces maternas estendias

As tuas mãos sobre os meus tristes dias,

Quando na Terra — que era o meu deserto.


Nos instantes de dor, bem que eu sentia

As tuas asas de Anjo da Ternura,

Pairando sobre a minha desventura

Feita de prantos e melancolia.


Flor ressequida eu era e tu o orvalho

Que me nutria, pobre e empalecida;

Era a tua alma a luz da minha vida,

Meu tesouro, meu dúlcido agasalho!…


Ai de mim sem a tua alma bondosa,

Que me dava a promessa da esperança,

Raio de luz, de amor e de bonança,

Na escuridão da vida dolorosa.


E que felicidade doce e pura,

A que senti após a treva e a morte,

Findo o terror da minha negra sorte,

Quando vi teu sorriso de ventura!


Então, senti que as Mães são mensageiras

De Maria, Mãe de anjos e de flores,

E Mãe das nossas Mães cheias de amores,

Nossas meigas e eternas companheiras!…


PRECE

Estendei vossa mão bondosa e pura,

Mãe querida dos fracos pecadores,

Aos corações dos pobres sofredores

Mergulhados nos prantos da amargura.


Derramai vossa luz, toda esplendores,

Da imensidade, da radiosa altura,

Da região ditosa da ventura,

Sobre a sombra dos cárceres das dores!


Ó Mãe! excelsa Mãe de anjos celestes.

Mais amor, desse amor que já nos destes,

Queremos nós em cada novo dia;


Vós que mudais em flores os espinhos,

Transformai toda a treva dos caminhos

Em clarões refulgentes de alegria.


ADEUS

O sino plange em terna suavidade,

No ambiente balsâmico da igreja;

Entre as naves, no altar, em tudo adeja

O perfume dos goivos da saudade.


Geme a viuvez, lamenta-se a orfandade;

E a alma que regressou do exílio beija

A luz que resplandece, que viceja,

Na catedral azul da imensidade.


«Adeus, Terra das minhas desventuras…

Adeus, amados meus…» — diz nas alturas

A alma liberta, o azul do céu singrando…


— Adeus… — choram as rosas desfolhadas,

— Adeus… — clamam as vozes desoladas

De quem ficou no exílio soluçando…


ALMAS

Ó solitário das estradas,

Desventurado pensador,

Há no caminho «almas penadas»

Que vão clamando desoladas

A dor e o pranto, o pranto e a dor!…


Vós, que o silêncio amais no mundo,

Em orações ao pé do altar,

Sob as arcadas silenciosas.

Almas feridas, desditosas,

Oram convosco a soluçar.


Ao descansardes, meditando,

À sombra de árvores em flor,

Sabei que as vezes sois seguidos

Pelas angústias dos gemidos,

De almas chagadas no amargor.


Clareie a luz do sol-nascente,

Negreje a treva na amplidão,

Gemem na Terra muitos seres

Pelos amargos padeceres

Depois da morte, na aflição.


Dai-lhes dos vossos pensamentos

Consolação que adoce a dor,

Dai um conforto à desventura,

A prece cheia de ternura,

Algo de afeto, algo de amor!…


ALMAS DE VIRGENS

Andam sombras errando abandonadas

Ao pé das lousas e das covas frias,

Almas de pobres freiras desamadas,

Perambulando pelas sacristias.


Almas das que não foram desposadas,

Como bandos de rolas erradias,

Angélicas visões de bem-amadas,

Mortas na aurora rútila dos dias…


Virgens mortas! Tristíssimas oblatas

De um sacrário de luz piedoso e santo,

Que sonhais entre os tálamos celestes,


Entoai nos céus as tristes serenatas

Com as vossas roxas túnicas de pranto,

Cantando à luz do amor que não tivestes!…


CARTA ÍNTIMA

Escuta, meu irmão! Pelo caminho

Da miséria terrestre, há muitas dores;

Muito fel, muita sombra, muito espinho,

Entre falsos prazeres tentadores.


Há feridas que sangram… Há pavores

De órfãos sem lar, sem pão e sem carinho:

Confortemos os pobres sofredores,

Almas saudosas do Celeste Ninho!


Jesus há-de sorrir com o teu sorriso,

Quando faças no mundo o bem preciso,

Pelo que sofre em desesperação.


Todo o bem que plantares nessa vida,

Há-de esperar tua alma redimida

Nos caminhos de luz e redenção!


MARIA

Toda a expressão de ternura

Do mundo de provação,

Nos Céus ditosos procura

A sua excelsa afeição.


Consolo das mães piedosas,

Cheias de mágoa e de pranto,

Sobre quem atira as rosas

Do seu Amor sacrossanto.


Ninguém diz, ninguém traduz

Essa visão da Harmonia,

Visão de paz e de luz,

Paz dos Céus! Ave-Maria!


MENSAGEM FRATERNA

Meu irmão: Tuas preces mais singelas

São ouvidas no espaço ilimitado,

Mas sei que às vezes choras, consternado,

Ao silêncio da força que interpelas.


Volve ao teu templo interno abandonado,

— À mais alta de todas as capelas —

E as respostas mais lúcidas e belas

Hão-de trazer-te alegre e deslumbrado.


Ouve o teu coração em cada prece.

Deus responde em ti mesmo e te esclarece

Com a força eterna da consolação;


Compreenderás a dor que te domina,

Sob a linguagem pura e peregrina

Da voz de Deus, em luz de redenção.


VINDE!

Todo anseio da crença acalma as dores,

Toda prece é uma luz para quem chora,

A oração é o caminho cor de aurora

Para o sonho dos pobres pecadores!…


Ó corações que a lágrima devora!

Vinde, através dos rudes amargores,

Cantar na luz dos grandes esplendores

Vossa iluminação de cada hora!…


Vinde rememorar no espaço infindo,

Neste Lar de Jesus, ditoso e lindo,

As desventuras para bendizê-las…


Feliz o coração sereno e forte,

Que triunfa da lágrima e da morte,

Palpitando na esfera das estrelas!…


O SENHOR VEM…

E eis que Ele chega sempre de mansinho.

Haja sol, faça frio ou tempestade;

Veste o manto do amor e da verdade,

E percorre o silêncio do caminho..


Vem ao nosso amargoso torvelinho,

Traz às sombras da vida a claridade,

E os próprios sofrimentos da impiedade

São as bênçãos de luz do seu carinho.


Como o Sol que dá vida sem alarde,

Vem o Senhor que nunca chega tarde,

E protege a miséria mais sombria.


Ele chega. E o amor se perpetua…

É por isso que o homem continua

Ressurgindo da treva a cada dia.




Esta mensagem foi também publicada pelo IDE e é a 30ª lição do livro “”


Esta mensagem foi também publicada pelo IDE, é a 3ª lição do livro “” e pela editora VL e é a 2ª lição do livro: “”.