Maria Dolores

Capítulo XXIX

Coro de preces



A pobre homem que desanimara

E se pusera, à beira do caminho,

Contando pedra, nuvem, charco, espinho,

Enrodilhado a pensamento vão,

O Céu determinou que ouvisse a Natureza,

E ele escutou, de alma surpreendida,

Vozes a sussurrar, entre as forças da vida,

Elevando-se a Deus em forma de oração.


Dizia a Luz, do Cimo Resplendente:

— Pai da Eterna Bondade,

Sinto a luta abismal das vastidões soturnas,

Trago em mim o clamor dos que gemem nas furnas…

Do sereno esplendor da altura a que me levas,

Envia-me, Senhor, a dissipar as trevas!…


O Vento anunciou, traspassando a ramagem:

— Deus da Piedade Imensa,

Vejo, ao longe, a aflição de enorme caravana,

Encharcada de pó na canícula insana…

Envia-me, Senhor, a envolvê-la, de perto,

Desejo amenizar o calor do deserto.


A Fonte murmurou, no ápice de um monte:

— Pai de Infinito Amor,

Dói-me fitar no solo aspereza e secura

Comunicando fogo à lavoura insegura…

Envia-me, Senhor, dos cárceres da serra,

Para descer ao vale e defender a terra…


A Pedra suplicou, de elevada montanha:

— Pai de Misericórdia,

Observo, da rocha a que me agarro,

Homens construindo, em vão, sobre leitos de barro…

Comove-me anotar tanto esforço infecundo,

Envia-me, Senhor, a cooperar no mundo!…


A Árvore pedia

Para seguir além, nos próprios frutos,

De maneira a servir, dia por dia,

Tanto à fome dos bons, quanto à gana dos brutos…


Sentindo em si que toda a Natureza

Era um hino ao trabalho,

Entretecendo paz, alegria e agasalho,

A consumir-se em preces de louvor,

O pobre homem que desanimara

Sentiu sede de agir e transformar-se

Em centelha de amor…

Então, voltou à fé, alçando a fronte,

E, contemplando os Céus, de horizonte a horizonte,

Gritou forte e feliz: Envia-me, Senhor!…