Maria Dolores

Capítulo XXXIII

Reencontro no Além



Vagueava no Espaço a pobre mãe suicida.

Apagara, a veneno, a luz da própria vida

Tentando reencontrar o filho que perdera

Em tóxicos letais.

Saudade, ânsia, aflição…

Não suportara mais.

E espírito da sombra, em lágrimas vagueia,

Entre a cegueira e a dor na angústia que a estonteia.


Dias, semanas, meses na loucura

Atravessara, atribulada e errante,

O império do remorso, ante a sombra gigante,

Sem confiança em Deus, infeliz e insegura,

A bradar o estribilho:

— Ah! meu filho, meu filho!…


Até que atormentada, louca e cega

Tateando no Além, eis que se apega

A desditoso irmão, também desorientado,

Que lastimava, em choro, os erros do passado…

Depois de ouvir-lhe os gritos

O pobre respondeu:


— A senhora clamando é mais feliz do que eu,

Seu coração procura um filho muito amado,

Quanto a mim… quanto a mim

Quero esquecer a mãe que tive no passado,

Que me repôs aqui, neste inferno sem fim…


E o pobre continuou, desalentado:


Saí daqui, um dia, a fim de melhorar-me,

Ela me recolheu nos braços com carinho…

Vestiu-me e festejou a júbilos e alarme,

O berço em que eu nascia…


A princípio, embalou-me em canções de alegria,

Entretanto, depois,

Na vida mais profunda entre nós dois,

Segregou-me no mundo, em egoísmo atroz,

Para ela, por fim, na ilusão que levava,

A Terra éramos nós, o amor somente nós…


Criou-me escravo dela e fez-se minha escrava,

Afastou-me de tudo quanto fosse inquietação ou prova,

Em que me caberia

Acender, dentro em mim, a luz de vida nova.

Transformou-me a existência em longa fantasia

Para que eu fosse,

Desde o á-bê-cê da escola,

Um gênio de artimanhas,

Um moço de aventuras e façanhas,

Mas nunca um aprendiz

Que fosse no futuro um homem reto e feliz.


Quando atingi a plena juventude,

Contratou-me instrutores,

Que me ensinassem força, ação, elegância e beleza,

A fim de que, na forma, eu dominasse

Todos os contendores,

Fortes também por leis da natureza…


Deveria, por fim, ver todos muito abaixo,

A minha pobre mãe exigia e exigia

Que eu demonstrasse, em tudo, a excelência de um macho…


Depois, no entanto, veio a derrocada,

O tóxico apanhou-me a preguiça dourada…

Minha mãe jamais quis ensinar-me a sofrer,

Não quis que eu trabalhasse ou prezasse um dever…

Conheci a maldade e os impulsos medonhos

E a morte prematura, arrasando-me os sonhos…

De útil ou de bom nada tenho e nem fiz,

Sou agora, onde estou, um espírito infeliz!…


Ao escutar-lhe a voz e ao conhecer-lhe o nome,

Cai a pobre mulher na angústia que a consome;

Chama o desventurado e arrasta-se-lhe aos pés,

Avançando de bruços,

Ei-la a falar, desfeita em temíveis soluços:

— Agora compreendo… agora sei quem és…

E, em desespero, a voz grita, ante o céu sem brilho:

— Perdoa-me, meu Deus!… Ah! meu filho, meu filho!…