A casa repousava, além de zero hora, Quando o juiz no leito ouviu certo rumor ao fundo. Quem seria? pensou, ansioso e expectante… Talvez um assaltante… Quem, no entanto, ousaria Penetrar-lhe a mansão, construída no alto, Com dois guardas, na ronda, de vigia? A princípio, o ruído parecia Um barulho tão leve, tão de manso, Que mais se assemelhava ao vento na folhagem, Quando o palácio, à noite, era paz e descanso. Mas o brando alarido aumentava de porte, Justamente na alcova sempre reservada Em que ele, o juiz, mantinha um cofre forte. Armou-se à pressa e afastou-se da cama, Pés descalços, andou no carpete, em pijamas; E pela porta além, levemente entreaberta, Lobrigou a figura baixa e estranha De um mascarado que se recobria Numa capa sombria, A furtar-lhe, no cofre escancarado, Todo o dinheiro ali depositado. Manejando lanterna diminuta, O invasor ocupado nada escuta. Mas o juiz entrando em fúria cega Ergue o revólver, firme. Aponta e descarrega Toda a carga de balas no infeliz Que tomba morto agora em pleno escuro. Indeciso e nervoso, o magistrado A erguer-se em defensor do próprio domicílio, Liga a luz, sob a dor do gesto cometido, E fita o mascarado A encharcar-se de sangue… Chama os guardas amigos, de plantão, Ativa o telefone e pede policiais Que lhe arranquem do lar o assaltante caído, Depois de se lavrarem Depoimentos, notas, testemunhos Para os efeitos justos e legais. Efetuadas todas as medidas, Um servente de mãos embrutecidas Inspeciona o cadáver e, ao movê-lo, Despe-lhe a capa enorme E retirando a máscara de pano, Vem ao juiz e informa, desumano: — É um menino, Excelência … Um ladrão nato Devia ter no jeito a esperteza de um rato. Na angústia enorme do seu próprio drama, O magistrado exclama: — Horríveis tempos! Dias infelizes!… Época de ladrões e meretrizes!… Já não mais temos lar em segurança Que possa resguardar uma simples criança… Onde iremos, meu Deus? Meninos salteadores, Crimes, violência, guerra e uma série de horrores!… Nisso, quatro serventes se aproximam, Carregam com cuidado o corpo inerte e triste, Mas o Juiz, ao vê-lo, não resiste; Detém todo o cortejo em súbita parada, Cai sobre o morto em pranto convulsivo, Beija-lhe a face inerme e ensanguentada, Como se o jovem morto inda estivesse vivo E bradou, em supremo desconforto: — O que fiz, Grande Deus, para sofrer em minha própria casa, Esta dor que me arrasa? Matei para viver e estou aniquilado e morto; Matei, mas nem de longe imaginava Que abatia sem pena O filho que adorava… Deus, Grande Pai, dá-me de qualquer forma, A expiação que me condena… Lançava o sangue ao chão amplo e rubro rastilho E o pobre prosseguia, em convulsões de dor: — Dá-me forças, meu Deus!… Perdoa-me, Senhor!… O pequeno assaltante era o seu próprio filho. |