Na Era do Espírito

Capítulo I

Estranho ponto de vista



Chico Xavier nos escreve contando como recebeu a mensagem “Luz para todos”:

“Alguns amigos vindos de cidade distante, em consultas e comentários, antes dos encargos em pauta na sessão pública, haviam mostrado estranho ponto de vista. Disseram-me que são contra a apresentação da Doutrina Espírita em programas de televisão e julgam que os doutrinadores e médiuns devem permanecer segregados nos templos espíritas para exemplificarem humildade cristã. Acreditam que os espíritas precisam fugir de contatos com a vida, comum, se quiserem ser modestos e eficientes.

Ouvi sem concordar com eles, porque os Benfeitores da Vida Maior ensinaram-me que o Espiritismo é uma bênção de Deus para todas as criaturas sem exceção e que não nos cabe desprezar a ninguém. Abstive-me de qualquer discussão. Mas, iniciadas as tarefas, o ponto de estudo em O Evangelho Segundo o Espiritismo, () aberto para as lições da noite, foi a página intitulada “O homem no mundo”, item 10 do capítulo XVII. E o nosso Emmanuel produziu a página que lhe coloco nas mãos com a esperança de que lhe ofereça proveito justo em nossos estudos.”




Estariam os princípios espíritas endereçados à segregação para uso exclusivo daqueles irmãos que carregam provas visíveis no Plano material?

Encontramos, com frequência, na Terra, quem suponha deva ser a Nova Revelação limitada ao trabalho em favor dos que sofrem a penúria do corpo, sob pena de perder a própria simplicidade.

Entretanto, a fulguração solar será menos luz quando clareia o recôncavo de um vale e o topo de um arranha-céu ao mesmo tempo? E, acaso, a fonte se diminuirá em grandeza por deixar-se canalizar em serviço à cidade grande, após haver saciado a sede aos lares do campo?


Decerto, a mensagem da Vida Maior tem significação mais imediata em auxílio a quantos se vejam no mundo em dificuldades abertas, seja no chão das exigências primárias da natureza ou na sombra das grandes tribulações em que a inconformidade os compele a se tornarem francamente infelizes. Imperioso, porém, pensar naqueles outros companheiros da humanidade que a vida situou em outros setores.

Não é a face externa da criatura que lhe determina o grau da necessidade espiritual.

Dói-nos ver as mãos que se nos estendem nas ruas, à cata de pão; no entanto, será justo, igualmente, compreender os obstáculos daqueles que se esfalfam em serviço para que haja pão, tanto quanto possível, à mesa de todos.

Aflige-nos registrar os empeços do amigo em profissão singela, cujo salário não lhe satisfaz a todos os requisitos da vida simples, mas não nos será lícito esquecer os óbices daqueles que se atormentam na orientação da oficina para que o trabalho não se perturbe ou escasseie.

Magoa-nos surpreender irmãos diversos, acomodados nos palheiros humildes que lhes servem de residência; contudo, não podemos desconhecer os impedimentos daqueles outros que encanecem nas administrações, construindo caminhos ao progresso e traçando horizontes ao reconforto geral.

Sensibiliza-nos o martírio das mães que vagueiam nas vias públicas à busca de socorro para filhinhos padecentes; entretanto, seria injusto desconsiderar o sofrimento daquelas outras que se aniquilam, pouco a pouco, dentro de casa, em posição de incessante sacrifício, para sustentarem os descendentes, de modo a que a dignidade humana possa honrosamente sobreviver.


Reflitamos no conjunto dos problemas humanos e a ninguém deserdemos da verdade e do amor, de vez que em qualquer situação pertencemos todos a Deus e, segundo as nossas necessidades, é natural que Deus nos atenda a cada um.




O Espiritismo é um processo de integração do homem no mundo e não de fuga. Todas as formas de isolamento social e de segregação religiosa são condenadas pela doutrina. Os resíduos do sectarismo religioso, alimentados em várias encarnações, permanecem ainda bastante ativos em alguns adeptos, fazendo-os sonhar com um isolacionismo sectário que atenta contra a própria essência dos ensinos espíritas. É o fermento velho a que se referiu Jesus, como vemos no Evangelho.

O Cristianismo teve de enfrentar esse mesmo problema em seu desenvolvimento. E, apesar da vitória das correntes cristãs mais ativas, não foi possível evitar-se a criação de ordens e congregações dedicadas à vida contemplativa, empenhadas na fuga ao mundo para o encontro com Deus. Essa tendência à fuga é característica das religiões orientais. Basta compararmos a vida contemplativa e os ensinos disciplinares de Buda com a vida ativa e os ensinos morais do Cristo, para vermos a diferença entre o espírito oriental e o espírito ocidental nas religiões.

Na mensagem intitulada “O homem no mundo”, constante do capítulo XVII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, () encontramos o seguinte trecho: “Não penseis que, ao vos exortar à prece e à evocação mental, queiramos levar-vos a viver uma vida mística que vos mantenha fora das leis da sociedade. Não. Vivei com os homens do vosso tempo, como devem viver os homens. Sacrificai-vos às necessidades e até mesmo às frivolidades de cada dia, mas fazei-o com o sentimento de pureza que as possa purificar”. E no capítulo “A Lei de Sociedade”, de O Livro dos Espíritos, () a afirmação é taxativa: “Os homens são feitos para viver em sociedade”.

Os médiuns e doutrinadores espíritas têm uma missão eminentemente social. Para bem cumprir essa missão devem servir-se de todos os meios, os mais eficientes possíveis, de divulgação da doutrina. E foi o próprio Jesus quem ensinou que não devemos esconder a lâmpada embaixo da cama, mas colocá-la no alto, para que ilumine a todos.