“A nossa reunião pública foi antecedida de acalorados debates em torno da situação dos médiuns. Alguns companheiros que nos visitavam traziam interpelações diversas e outras perguntas surgiram, numerosas.
Devem os médiuns ser encerrados em retiros ou colégios de consagração absoluta ao Mundo Divino, como as vestais e os sacerdotes da antiguidade? Se os médiuns guardarem a obrigação da vida em êxtases espirituais permanentes, no intercâmbio exclusivo com os planos divinos, como viverem a existência que lhes foi concedida na reencarnação, na qual precisam trabalhar para se alimentarem, vestirem, para se instruírem e viver à própria custa?
Se os médiuns necessitam de estar na Terra, como acontece com as outras pessoas que se casam ou não se casam; se não podem trabalhar sem apoio de alguém; se precisam de motivação para aprender a servir; se não conseguem, de modo algum, essa ou aquela realização vivendo ou caminhando sozinhos — como conciliar tarefa mediúnica e reclusão sistemática?
Se os médiuns devem dar com desinteresse os resultados do trabalho que prestam, seja aos Bons Espíritos ou seja aos irmãos em humanidade, despendendo o tempo e a força que Deus lhes deu, como igualmente deu às outras pessoas, como impedir-lhes o relacionamento com os outros, de modo a encontrarem trabalho e recursos para se sustentarem e sustentarem os seres a que se vinculam, a fim de não serem cargas pesadas no grupo social a que pertencem?
Devem os médiuns ser criaturas angélicas na Terra ou seres humanos naturais, procurando o aperfeiçoamento próprio através de erros e acertos, como sucede a qualquer um?
Nesse clima de indagações foi iniciada a nossa reunião pública. E O Evangelho Segundo o Espiritismo () nos ofereceu para estudo o item 10 do capítulo XIX, sendo que, no término das nossas tarefas, o nosso caro Emmanuel escreveu a “Página aos Médiuns” que muitos de nossos amigos presentes e nós mesmos desejaríamos ver acrescida com suas anotações e estudos, sempre valiosos para nós todos.”
Médiuns espíritas! Quando vos conscientizais relativamente à distância entre a vossa condição humana e a espiritualidade sublime da Doutrina de Luz e Amor que abraçastes, muitos de vós outros recuais ante as lutas por sustentar:
Compreendamos, no entanto, que quase todos nós, os companheiros encarnados e desencarnados, trazidos às tarefas do Espiritismo, somos seres endividados de outras épocas, empenhados ao trabalho de aperfeiçoamento gradativo com o amparo de Jesus.
Tiranos de ontem, somos agora convocados a exercícios de obediência e tolerância para as aquisições de humildade.
Autoridades absorventes que dilapidávamos os bens que se nos confiavam, em benefício de todos, vemo-nos induzidos, na atualidade, a servir em regime de carência a fim de aprendermos moderação à frente da vida.
Inteligências despóticas que abusávamos da frase escrita ou falada, prejudicando multidões, estamos hoje entre inibições e dificuldades, nos domínios da expressão verbal, de modo a reconhecermos quanto respeito se deve à palavra.
Criaturas que infelicitávamos outras muitas, deteriorando-lhes a existência em nome do coração, achamo-nos presentemente em longos calvários do sexo a fim de aprimorarmos os impulsos do próprio amor.
Incluímo-nos em vossos problemas, conquanto desenfaixados provisoriamente dos laços físicos, porquanto as vossas lutas de hoje foram as nossas de ontem, tanto quanto os vossos conflitos de hoje serão talvez nossos amanhã, quando, pela reencarnação, estivermos na posição que atualmente ocupais.
A despeito, no entanto, de todos os obstáculos, esposemos na construção do bem o caminho da sombra para a luz.
Natural tropeceis, através de quedas e desilusões, muitas vezes necessárias à formação de nossas melhores experiências. Entretanto, não vos marginalizeis na estufa da ociosidade ou na furna da autocompaixão.
Trabalhemos compreendendo e sigamos servindo.
Fraquezas e imperfeições temo-las ainda conosco e talvez por longo tempo, de vez que burilamento espiritual não é assunto de mágica.
Convençamo-nos, porém, de que unicamente com a doação do melhor de nós mesmos, na edificação do bem de todos, é que descobriremos a senda traçada à nossa melhoria e elevação.
Recordemos. O ouro não se desentranha da ganga simplesmente por que leiamos algum compêndio de mineração diante do cascalho que o segrega, conquanto o compêndio de mineração favoreça, as atividades relacionadas com a extração e acrisolamento do ouro.
Purificar-se-á o metal, em verdade, tão somente no clima do cadinho esfogueante.
Um médico reterá consigo a ciência de curar, mas isso não quer dizer esteja ele inacessível à doença, embora o dever que lhe cabe na preservação do equilíbrio orgânico.
Um dia Jesus nos afirmou que os obreiros do Evangelho serão conhecidos pelos frutos. (Mt
Agora, que as clausuras religiosas começam a se abrir e o isolamento sacerdotal se converte em vivência social, seria curioso se os espíritas instituíssem um sistema de segregação para os médiuns. Tanto mais que o Espiritismo é uma doutrina aberta, só comparável ao Cristianismo primitivo dos tempos em que Jesus e os seus discípulos viviam no meio do povo, servindo a Deus no serviço aos homens.
A mediunidade não é privilégio, não é concessão especial, mas faculdade humana natural. Todos a possuímos, em maior ou menor grau, conforme as nossas necessidades. Assim como devemos empregar a nossa inteligência e as nossas habilidades ao serviço do próximo, assim também devemos utilizar a nossa mediunidade na boa orientação das relações sociais. O médium isolado seria um contra senso, como a lâmpada sob o alqueire de que nos fala o Evangelho. Sua função não é esconder a luz que possui, mas irradiá-la em benefício de todos.
A missão mediúnica é semelhante a todas as demais missões que o Espírito, ao encarnar, traz para a Terra. A natureza social da mediunidade condiciona o médium a todas as exigências das relações humanas. Na verdade, a sociabilidade atinge na mediunidade o seu mais alto grau, pois o médium é o indivíduo colocado a serviço de duas coletividades, a visível e a invisível. Sua função social transcende o plano horizontal das relações existenciais, estabelecendo as relações do plano vertical entre os homens e os Espíritos. E essas relações, até ontem consideradas sobrenaturais, são hoje reconhecidas como naturais, comuns a todas as criaturas.
Como acentua Emmanuel, os médiuns, por mais elevados que sejam, não passam de criaturas em resgate dos erros do passado. Isolá-los, negar-lhes o direito à vida normal dos homens, furtá-los à experiência da vida, seria regredirmos no tempo, esquecendo os princípios fundamentais do Espiritismo para cairmos de novo no conceito errôneo dos privilégios espirituais. Mediunidade é serviço, mas sobretudo serviço fraterno — que só pode ser realizado com proveito no ombro a ombro da vida comum.