“O poema “Romance na 5ida” foi recebido em nossa reunião pública. O Evangelho Segundo o Espiritismo () nos deu o item 8 de seu capítulo XIV e O Livro dos Espíritos () a questão 372 para estudo.
Feitos os comentários por companheiros presentes, quem se comunicou foi o poeta Alphonsus de Guimaraens, doando-nos a peça poética que passo às suas mãos. Consideramo-la adequada e comovente.
Com surpresa, porém, na manhã seguinte à reunião, ao sair de casa, fomos procurados por uma senhora que nos trouxe o filhinho excepcional para conhecermos, solicitando o amparo do Dr. Bezerra de Menezes em seu favor.
Essa senhora, em quase penúria, disse-nos haver estado presente na reunião pública da véspera; só não trouxera o pequeno enfermo por ter chegado já muito tarde, procedente de Ouro Preto. Deixara o doentinho em descanso numa pensão.
Conquanto muito sofredora, prestara atenção à mensagem e viera pedir uma cópia.
Comovi-me muito e fiquei meditando no assunto.”
NOTA — O item 8 do capítulo XIV de O Evangelho Segundo o Espiritismo () trata do parentesco corporal e espiritual, mostrando que os Espíritos não se ligam pelos chamados laços de sangue, mas por afinidades espirituais. O item 372 de O Livro dos Espíritos () consiste na seguinte pergunta de Kardec: “Qual o objetivo da Providência ao criar seres desgraçados como os cretinos e os idiotas?”. A resposta dos Espíritos é a seguinte: “São os espíritos em punição que vivem em corpos de idiotas. Esses Espíritos sofrem com o constrangimento a que estão sujeitos e pela impossibilidade de manifestar-se através de órgãos não desenvolvidos ou defeituosos”.
No campo, em que o luar engrinalda a escumilha, O par freme de amor, a noite dorme e brilha. Ele, o poeta aldeão, era humilde pastor; Ela, a fidalga, expunha a mocidade em flor. Ao longe da mansão, quantos beijos ao vento!… Quantas juras de afeto à luz do firmamento! Em certa noite, a eleita envia antigo pajem Que entrega ao moço ansioso imprevista mensagem. “Perdoe — a carta diz — se não lhe fui sincera Desposarei agora o homem que me espera. “Nunca deslustrarei o nome de meus pais. Nosso amor foi um sonho… Um sonho. Nada mais.” Chora o moço infeliz, sem ninguém que o conforte, Surdo à razão, anseia arrojar-se na morte. Corre à choça de taipa. A gesto subitâneo, Arma-se em desespero e arrasa o próprio crânio. Foi-se o tempo… E, no Além, o menestrel suicida Era um louco implorando um novo corpo à vida. Um dia, a castelã, no refúgio dourado, Morre amargando, aflita, as lições do passado. Pendem alvos jasmins do féretro suspenso, Filhos clamam adeus em volutas de incenso. Largando-se, por fim, dos enfeites de prata, Sente-se agora a dama envilecida e ingrata. Lembra o campo de outrora e o pobre moço aldeão, Pede para revê-lo e rogar-lhe perdão. Encontra-o, finalmente, em vasta enfermaria, Demente, cego e mudo em angústia sombria. Ela suporta em pranto a culpa que a reprova, Quer voltar para a Terra e dar-lhe vida nova. A eterna Lei de Amor no amor se lhe revela, Retorna ao corpo denso em aldeia singela. Hoje, mãe a sofrer, fina-se, pouco a pouco, Carregando no colo um filho mudo e louco… E enquanto o enfermo espraia o olhar triste e sem brilho, Ela vive a rogar: “Não me deixes, meu filho!…” O romance prossegue e os momentos se vão… Bendita seja a dor que talha a perfeição. |
Cabe reproduzir aqui estas palavras de Fernando Góes sobre o poeta comunicante: “Alphonsus de Guimaraens foi sempre um tímido que nunca ambicionou outra coisa senão compor seus versos místicos e de amores tristes, na solidão das montanhas de Minas”.
A solidão das montanhas de Minas está mais cheia de assombros do que pode supor o ensaísta e historiador do nosso Simbolismo, no volume IV de “Panorama da Poesia Brasileira”. Alphonsus de Guimaraens continua a vagar por ali, onde agora descobre histórias mais tristes de amor para cantá-las através da harpa mediúnica de Chico Xavier, o estilo e a temática do poeta o identificam nesse poema que nos envia inesperadamente do Além.
Diz o médium que ficou “meditando no assunto” ao ser abordado pela pobre mãe que lhe pedia cópia do poema. Na sua modéstia e na sua humildade, Chico não quis chegar por si mesmo às conclusões que vamos tirar desse episódio mediúnico. As aparentes coincidências que o marcam revelam a verdade oculta. São o que hoje se chama em Parapsicologia de coincidências significativas, mas num sentido mais amplo.
Os dois livros de Kardec citados por Chico Xavier são sempre abertos ao acaso e os dois ofereceram trechos coincidentes para a leitura e o estudo da noite. O poema de Alphonsus de Guimaraens, após os diversos comentários cada comentarista encarando o tema a seu modo — restabeleceu o fio das coincidências ao contar uma história antiga, de amor triste frustrado, ao gosto do poeta quando em vida.
Chico não sabia da presença da mãe infeliz na sessão. A mãe, entretanto, apesar de sua situação de miséria e aparente ignorância, captou no poema a sua própria história, vivida em encarnação anterior, nos tempos medievais. É assim que a verdade oculta se revela para os que têm, como ensinava Jesus, olhos de ver e ouvidos de ouvir. Na solidão das montanhas de Minas uma tragédia europeia veio ter o seu desfecho em nossos dias. E o poeta dos amores tristes, que nasceu, viveu e morreu em Ouro Preto, incumbiu-se de revelá-lo em seus versos límpidos, perfeitos, carregados da mesma melancolia que impregna toda a sua musa, usando agora a psicografia de Chico Xavier.