Um minuto emocionante da Reportagem do “GLOBO” em Pedro Leopoldo
PEDRO LEOPOLDO, 14 (Especial para o GLOBO, por Clementino de Alencar) — Apesar de sua esquivança e humildade, várias visitas tem Chico Xavier recebido nestes três últimos dias.
Em uma de nossas passagens por sua casa fomos encontrá-lo rodeado de espíritas e admiradores seus vindos de Sete Lagoas.
Entramos. Apresentações.
Os visitantes eram os Srs. Antônio Lima, escritor e jornalista, espírita de velhas e fervorosas convicções, estudioso da doutrina e autor de várias obras espíritas, entre as quais “O coração de Jesus” e “Cruzada redentora”, esta última uma série de romances aproveitando a ideia reencarnacionista; José Cândido de Andrade, presidente do Centro Espírita Bittencourt Sampaio, de Sete Lagoas, e Antônio Viçoso Gerken, secretário do mesmo Centro.
Chico Xavier centraliza as atenções e referências, e dele diz a certa altura, o Sr. Antônio Lima:
— Eu, com os meus 36 anos de doutrina, acho que este rapaz é o médium psicográfico mais extraordinário que temos tido no Brasil. E não só por suas faculdades realmente notáveis, como também pela simplicidade e pureza de sua vida, seu desapego às seduções terrenas.
Estão presentes também algumas pessoas de Pedro Leopoldo e os comentários insistem, então, sobre essa feição tão característica do jovem médium: sua humildade, seu desapego aos bens materiais. Relembram-se, a propósito, os oferecimentos que ele tem tido, de melhores colocações fora daqui; e ainda sua atitude no caso da edição do “Parnaso de Além-Túmulo”. Chico recusou toda e qualquer participação nos lucros da edição desse volume.
Ao que ele observa:
— De uma coisa os meus amigos poderão estar certos: nunca procurarei tirar qualquer proveito monetário de minhas faculdades.
Se a mediunidade é uma missão, ele se declara disposto a cumpri-la sem visar qualquer interesse material.
Nesse rumo; a palestra colhe alguns casos de médiuns notáveis que temos tido no Brasil, os quais, cedendo com o tempo aos maus conselheiros — alguns homens e todas as ambições — degeneraram para a mais franca obcecação, ou para o charlatanismo, tomando-se elementos condenados pelos espíritas.
Chico Xavier, porém, tem sido um exemplo confortador. Nele confiam os espíritas da sua terra.
A palestra borboleteia a seguir sobre fatos e aspectos da mediunidade. Uma coisa que preocupou Chico Xavier, há tempos, foi o aparecimento em seus sonhos, de formas monstruosas, que embora se dizendo Espíritos, o assustavam.
A explicação vem-lhe assim: “Essas figuras monstruosas são Espíritos inferiores e a forma que assumem, dentro de uma espécie de “magnetismo espiritual”, é a “forma” dos seus pensamentos.
A esse respeito observa-se o quanto é difícil obter a comunicação com Espíritos elevados, com a elite do Além, que é ainda relativamente diminuta em comparação com as legiões infindáveis dos Espíritos inferiores, as hordas da “linha negra”, responsáveis por malefícios sem conta dentre os que se verificam entre os homens.
O Sr. José de Andrade tem até esta tirada de humor:
— Noventa e nove por cento dos Espíritos ainda são da nossa “marca”. Não são “grande coisa”. Resta um centésimo, ou talvez menos, para constituir a “elite”. Daí a dificuldade em conseguir-se apanhar, nas comunicações, um Espírito adiantado…
E daí também, concluem os da roda, o valor que, para a doutrina, assume o médium capaz de receber esses selecionados do espaço, considerando-se que, para as boas comunicações, necessário se torna a mais perfeita sintonização de vibrações espirituais, a maior homogeneidade de pensamentos, entre o aparelho — o médium — e o Espírito. Para receber maus Espíritos não faltam aparelhos…
Unicamente, nesse último caso, em vez de belas mensagens do Além, o resultado é muito outro: desastres, suicídios, maldades, loucura.
Para os crentes da doutrina decorre também, daí, o imperativo: elevar o mais possível o coração e o pensamento.
— Nessa mesma noite, Chico Xavier recebeu ainda outras visitas de Belo Horizonte: o coronel Anísio Fróes e o major Benedicto de Mello Franco, da Força Pública Mineira; os Srs. Augusto de Menezes, funcionário da Secretaria da Viação e obras Públicas do Estado; Jayme Nunes, Antônio de Assis e algumas senhoras.
Na mesma ocasião ali esteve o professor Tão Júnior, católico, mas que nos dá, às vezes, a impressão de ser livre pensador.
Iniciados ambos na filosofia e no estudo da Sagrada Escritura, o professor e o coronel Anísio são os dois interlocutores mais constantes, mas em choque.
A discussão assume, por vezes, grande palpitação. E o professor Tão Júnior, que se nega a admitir a hipótese espírita no caso Chico Xavier, localizando no subconsciente a origem do fenômeno, cai, entretanto, por vezes na citação de casos diante dos quais se confessa perplexo. Este, por exemplo, passado com ele mesmo:
— Eu era escrivão do crime em Sete Lagoas, isso há anos. Um dia, ao regressar à minha residência, deteve-se meu olhar em certo prédio fechado. E, coisa estranha que não tinha ligação com nenhum fato de meu conhecimento ou pensamento, nem anterior, fosse recente ou remoto: veio-me o pressentimento de que, naquele prédio ia ocorrer um crime de morte.
Entrando em casa, pouco depois, encontrei a nossa criada no corredor e, ainda preocupado, na falta de outro interlocutor, comuniquei-lhe de passagem, o meu mau pressentimento. A empregada, para minha maior surpresa, admitiu como possível o crime: na casa citada residiu um casal que “não se dava bem”. Uma vez a desavença foi mais forte; o marido retirara-se da cidade. Naquela manhã, entretanto, a minha empregada, ao que me disse então, vira o marido que voltara repentinamente, rondar a casa onde ficara residindo a mulher.
Assim informado, dirigi-me ao delegado de polícia, para pô-lo de sobreaviso.
Encurtaremos a história do professor, dando o desenlace: o crime foi de fato cometido.
Contada a história, o adepto da subconsciência, confessa a sua perplexidade, ao que o coronel Anísio acode, com a explicação espírita: nossas intenções gravam-se na aura, espécie de registro das nossas vontades. E os Espíritos têm o poder de ler nessa página recôndita. A vontade de matar gravara-se na aura do homem que rondava a casa. Um Espírito evoluído lera ali e fizera ao professor a revelação.
O professor sorri e diz alguma coisa em latim; está ainda contra a hipótese espírita, e justifica sua relutância por ter sido, diz, educado na escola da verdade.
Mas o coronel Anísio vale-se também de um latim filosófico [Nemo potest dare quod habet non] para levar o professor a esta conclusão:
— Ninguém pode dar o que não tem.
É uma de suas conclusões sobre o caso “Chico Xavier”, no que se refere à instrução deste.
E o debate prossegue.
Neste momento, aqui, da mesa onde escrevemos, ouvimos bater à porta. Alguém chama o repórter. Há algo de extraordinário para a reportagem, lá fora. São mais de 23 horas, e de uma noite fria…