Como a sociedade deve punir os delinquentes
PEDRO LEOPOLDO, 20 (Especial para O GLOBO, por Clementino de Alencar) — Entre as pessoas que vieram de Sete Lagoas para assistir à última sessão espírita na , estava, conforme dissemos em correspondência anterior, o senhor Geraldo Bhering, que advoga naquela cidade.
Após a reunião, cujos resultados já divulgamos, o jovem causídico, em palestra, no bar do Ponto, não escondeu sua impressão sobre a maneira pronta, precisa, mesmo feliz, como Chico Xavier respondera às nossas perguntas, no decorrer da sessão.
E não tardou que o Sr. Bhering demonstrasse o desejo de fazer também uma consulta ao médium, sobre questões enquadradas na esfera do Direito.
Formulam-se e discutem-se, então, várias perguntas que poderiam ser feitas, todas apanhadas do conjunto de problemas, leis e regras relativas às relações sociais.
Afinal, a escolha recai sobre esta série de perguntas, grafadas ali mesmo pelo advogado:
— A sociedade tem o direito de punir aqueles que delinquem?
— A sociedade tem o direito de punir ou apenas o de se defender?
— A sociedade deve castigar o delinquente?
— O homem que delinque age livremente ou é determinado?
Cuida-se, então, de procurar o médium, embora já sejam cerca de 23 horas.
Chico Xavier é pouco depois encontrado, quando regressava da casa de José Cândido.
Como de hábito, acolhe sem uma restrição a consulta do advogado. E, ainda como de hábito, promete encaminhá-la ao Além, num dos seus transes solitários, provavelmente naquela mesma noite, visto como, sessão, só a teríamos na próxima quarta-feira.
Um detalhe interessante: quando solicitado por um consulente, Chico Xavier não procura saber do gênero e número das perguntas. Acolhe-as, a todas, com a mesma singeleza e solicitude, e sem jamais manifestar qualquer interesse pecuniário.
Pelo contrário, através de declarações suas colhidas em ocasiões diversas, compreende-se que ele consideraria ofensiva qualquer oferta daquele gênero, apesar de sua pobreza.
Conforme a sua promessa fizera esperar, Chico Xavier psicografou, na mesma noite, as respostas à consulta do advogado. Deu-as o próprio “guia” Emmanuel, conforme passamos a expor.
— A sociedade tem o direito de punir aqueles que delinquem? — era a primeira pergunta.
Eis a resposta de Emmanuel:
— “Na primeira proposição, a sociedade é representada pelo Estado ou pelo conjunto das leis jurídicas personalizado na sua autoridade e, assim como o Estado provê a necessidade de quantos requerem a sua assistência prestada sem exigências de remuneração, tem o direito de punir o delinquente que lesou, com o seu crime, a segurança social, importando a pena no valor do prejuízo causado. Nunca deve punir com a morte, mas examinando atenciosamente as condições fisiológicas e psicológicas do criminoso, e considerando, ao exarar a sua sentença condenatória, que as aplicações do castigo constituem o problema relevante, por excelência, da criminologia.”
A segunda e a terceira pergunta foram respondidas em conjunto. — A sociedade tem o direito de punir ou apenas o de se defender? — A sociedade deve castigar o delinquente?
“Considerando o direito dentro de todas as suas características e precisando conciliá-lo com o Evangelho, somos de opinião que o Estado ou a sociedade deve defender-se mais e punir menos. A educação deve ser difundida em todas as suas modalidades, e as prisões, as penitenciárias, devem representar escolas, hospitais e oficinas, onde o delinquente, apesar de se conhecer coagido em sua liberdade, reconheça o seu direito de cidadão, digno da educação que ainda não tem e do trabalho, segundo as suas possibilidades individuais. A escola, a instrução e a assistência significam um fator preponderante na intangibilidade do Estado.
“A sociedade pode, pois, castigar o delinquente, regenerando-o, beneficiando-o, buscando reintegrá-lo no respeito e na consideração de si mesmo.”
“Não aceitamos a existência do criminoso nato”
— O homem que delinque age livremente ou é determinado?
A essa última pergunta, o “guia” Emmanuel assim responde:
“A última proposição é de todas a mais transcendente e encerra um problema que tem ensandecido muitos cérebros. É que ela se enquadra na questão das provas e das expiações de cada indivíduo, a qual, por enquanto, é desconhecida pelas ciências jurídicas e está afeta ao Plano espiritual.
“Admitindo algo da nova escola penal inaugurada por , não aceitamos a existência do criminoso nato. Atendendo-se a circunstâncias oriundas da educação e do meio ambiente, o criminoso age com pleno uso do seu livre-arbítrio. Sobre todos os atos da sua vida deve o homem observar o império da sua vontade e é pela educação desta que chegamos ao equilíbrio das coletividades. Indubitavelmente, devemos considerar as exceções nos casos de loucura “sine materia” [sem matéria (não importa)], ou obsessões, segundo a verdade espírita, acima de qualquer juízo da justiça humana; mas as exceções não inutilizam as regras e insistimos na educação da vontade de cada um e na responsabilidade dela decorrente, única maneira de se conceber a Justiça Suma, que é a Justiça de Deus.”
A seguir, cumprindo aos que se mostram interessados em conhecer novas páginas colhidas no “arquivo” do médium, transcrevemos aqui alguns versos psicografados por Chico Xavier em 1934:
1 Chamam-me agora aí Cigarra morta, E não podia haver melhor definição, Porque caí estonteada à porta Do castelo em ruínas, Do desencanto e da desilusão!… 2 Minhas futilidades pequeninas… Meus grandes desenganos… Eu mesma inda não sei Se é ventura morrer na flor dos anos… Sei apenas que choro O tempo que perdi, Cantando em demasia a carne inutilmente; E vivo aqui, somente, De quanto idealizei De belo, de perfeito, grande e santo, Que inda hei de realizar Com a rima do meu verso e a gota do meu pranto. 3 Dá-me força, Senhor, Para concretizar meu anseio de amor. Evita-me a saudade Da minha improdutiva mocidade! Eu não quero sentir, Como cigarra que era, A falta das canículas doiradas Sob a luz de ridente primavera. Já que tombei cansada de cantar, Calando amargamente, Perdoa, Deus do Amor, o meu pecado: Que eu olvide a cigarra do passado, Para ser uma abelha previdente. |
A respeito dos versos de Cármen Cinira psicografados por Chico Xavier, o Dr. Carlos 1mbassahy escreveu ao médium, em dezembro de 1934, uma carta da qual, data vênia [com a devida licença], transcrevemos estes trechos:
“Quem conheceu Cinira vê que o seu estilo é este, que as suas ideias são estas. Ela sempre falou assim.”
“… seu Espírito, cheio de bondade e de amor pelo próximo, conservou-se puro em meio das impurezas e da corrupção do mundo.”
E,
“Tais sentimentos, tais versos são precisamente de Cinira. Belos no fundo e na forma, eles glorificariam o autor que os assinasse.
“Não se compreende que o nosso irmão de Minas apresentasse como estranha tão admirável poesia.”
(O Globo, 27/5/1935)
Essa mensagem foi publicada originalmente em 1931 pela FEB e é a 4ª do 21º capítulo do livro “”
Dr. Carlos 1mbassahy, (Salvador, BA, 1883 — Niterói, RJ, 1969), advogado, orador, destacou-se como valoroso escritor e tradutor espírita. (Nota do Org.)